Ações possessórias e demarcatórias

Publicado por Ana Lacerda em

Ana Lacerda é advogada especialista em Direito Agrário e Ambiental

Doutrinariamente, dizemos que a ação de demarcação pressupõe a existência de dois prédios confinantes (ou fronteiriços), cujos limites não estejam perfeitamente definidos. Ou seja, é uma ação que se destina exatamente à caracterização da coisa.

Em relação à competência para julgamento deste tipo de ação, o Código de Processo Civil disciplina que “nas ações fundadas em direito real sobre imóveis é competente o foro de situação da coisa”.

Em casos de demarcação, somente o proprietário está legitimado a postular a demarcação de seu terreno. Quem detiver apenas a posse não poderá pleiteá-la. E, no polo passivo, figurarão os confinantes.

A petição inicial terá que cumprir os requisitos do art. 319 do novo Código de Processo Civil (NCPC), sendo instruída com os títulos de propriedade, designando-se o imóvel pela situação e pela denominação, descrevendo-se os limites por constituir, aviventar ou renovar, além de nomear todos os confinantes da linha demarcanda, como estabelecido pelo artigo 574 do NCPC.

De acordo com o artigo 292, IV do Código de Processos Civil, “na ação de divisão, de demarcação e de reivindicação, o valor da causa é o da avaliação da área ou do bem objeto do pedido”.

Não obstante o fato de que a ação reivindicatória só poder ter como objeto coisa perfeitamente definida e caracterizada, e a ação demarcatória se destina exatamente a caracterizar a coisa, em recente julgamento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça julgou recurso especial aviado contra acórdão assentado pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso, que questionava a necessidade de extinguir Ação Demarcatória com Queixa de Esbulho, enquanto pendente de julgamento ação possessória, sem que houvesse limitação ao exercício dos diretos constitucionais de propriedade e de ação.

No caso, entendeu o STJ que seria inviável o ajuizamento de Ação Demarcatória ao mesmo tempo em que estivesse pendente o julgamento da ação de cunho eminentemente possessório, como, por exemplo, ação de interdito proibitória ou manutenção de posse.

Tal entendimento se refere aos casos em que há discussão pela posse de terra. Ou seja, o STJ entendeu que a pendência de julgamento de processo de cunho possessório é condição suspensiva para ajuizamento de ação demarcatória.

Em trecho de sua fundamentação, a relatora Nancy Andrighi assegurou: “a proibição do ajuizamento de ação petitória enquanto pendente ação possessória, em verdade, não limita o exercício dos direitos constitucionais de propriedade e de ação, mas vem ao propósito da garantia constitucional e legal de que a propriedade deve cumprir a sua função social, representando uma mera condição suspensiva do exercício do direito de ação fundada na propriedade”.

Todavia, como a ação possessória (que havia impedido o seguimento da ação demarcatória) teve seu trânsito em julgado, a ministra, acompanhada dos demais membros, assentou que, por não estar mais pendente de julgamento a ação possessória, não havia qualquer razão que justificasse a extinção da demarcatória.

Logo, em que pese tal entendimento de procedência, grande parte da doutrina tem o entendimento de que não poderia ocorrer a suspensão da ação demarcatória enquanto estivesse pendente a possessória, porque os institutos são completamente distintos, visto que, conforme anteriormente explicitado, a ação reivindicatória deve ter por objeto coisa perfeitamente definida e caracterizada, enquanto a demarcação visa a caracterização da coisa.

É exatamente o que nos ensina Pontes de Miranda, ao afirmar que “o propósito da ação demarcatória é simplesmente reavivar os rumos existentes ou fixar os que deveriam existir”.

Nessa esteira de raciocínio, a ação demarcatória não tem a mesma finalidade da ação reivindicatória. Não trata de reconhecimento de domínio, mas apenas de acertamento de linhas de divisa entre propriedades. Portanto, não se enquadra no campo de vedação do art. 557 do Novo Código de Processo Civil, visto que o objeto da lide não se confunde.

Dessa forma, as ações possessórias e demarcatórias não se subordinam a processo e julgamento conjuntos, porque o resultado de uma ação não interfere no resultado da outra.

Logo, interessante seria se o Superior Tribunal de Justiça, por ser a corte responsável por uniformizar a interpretação da Lei Federal em todo território nacional, transpusesse este obstáculo e prestigiasse, de uma vez por todas, essa sistemática.


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