Zoneamento e desorganização territorial de MT

Publicado por Ana Lacerda em

Considerando que o zoneamento é uma necessidade do Estado para definir as políticas públicas e da população que nele vive, porém, que exige critérios técnicos e não ideológicos para se efetivar, e assim evitar consequências graves nas mais diversas frentes do Estado e na vida das pessoas; e, dando seguimento às observações sobre o tema do Zoneamento Socioeconômico Ecológico do Estado de Mato Grosso tratado aqui na semana anterior, continuamos a debater o assunto, trazendo à tona questões que merecem destaque e colocam todo o povo mato-grossense em risco de desabastecimento.

Uma delas, muito preocupante, é o fato de que, ao acessar o site do governo, tem-se a disponibilização de informações sobre o Zoneamento, entretanto, dos seis links disponibilizados para explicar o assunto e demonstrar os estudos, apenas um funciona: o do mapa que já “reorganiza” todo o território. Não é possível verificar a metodologia utilizada ou os cenários; algum estudo ambiental, social ou econômico; tampouco a proposta e estratégias de implantação ouvindo os proprietários rurais.

Ao clicar no mapa, há a possiblidade de visualizar o que foi denominado de “pesquisa pública”, que alegam ter ocorrido entre 1º de fevereiro e 31 de março do corrente ano, todavia, não foi localizado nenhum formulário de pesquisa disponível; não se sabe de nenhuma campanha em qualquer mídia; não se tem notícia de nenhum cidadão, produtor rural ou não, que tenha opinado a respeito;  e em contato com representantes das associações do agronegócio de Mato Grosso, eles também informam que sequer tomaram ciência de alguma consulta pública a respeito do Zoneamento.

Além do desaparelhamento da produtividade agrícola – mencionada na semana anterior, com a transformação de terras de cultivo já preparadas e desenvolvidas em terras de agricultura familiar, bem como com a impossibilidade da concessão de crédito proveniente do Banco Central para quem não atender os critérios, determinações e recomendações do Zoneamento, que, por sua vez, não está bem explicado e nem aprovado pelo produtor rural, mas já é parâmetro para crédito no Bacen – é preciso falar ainda da recategorização territorial.

A proposta em circulação transforma áreas povoadas, propriedades privadas, terras produtivas, em áreas de uso extremamente restrito ou intocáveis, como é o caso da criação de “Dois Novos Pantanais em Mato Grosso”, associados ao Rio Guaporé-Mamoré e ao Rio Araguaia. Isso retira da produção de alimentos mais 600 mil hectares do Guaporé e mais, mais de 4 milhões de hectares do Vale do Araguaia. Ou seja, se esse projeto continuar avançando, serão retirados quase 5 milhões de hectares da linha de produção do nosso Estado e do nosso País. E o mais lamentável, sob o argumento de criação de dois Pantanais que não existem na Constituição Federal e em lugar algum.  

Nesse ponto é importante esclarecer que o bioma Pantanal está delimitado no mapa de biomas do órgão oficial IBGE, e as áreas do Araguaia e do Guaporé não estão classificas como Pantanal. Essas áreas com alagamento limitado ao período das chuvas não devem e não podem ser consideradas como Pantanal, e muito menos como áreas úmidas.

E ainda, nota-se um “movimento intencionado por alguns” de relacionar o conceito de área úmida com o pantanal, e dar a todas as áreas úmidas o mesmo tratamento de áreas de preservação permanente, quando na verdade já está clara a intenção do legislador de apenas disciplinar o uso dos pantanais e planícies pantaneiras de acordo com a ciência e recomendações técnicas.  

“Assim resta evidente que as áreas localizadas no Pantanal não podem e não devem, por pura ideologia, se tornarem áreas intocáveis”

Nesse sentido, vejamos o que determina o artigo 10 do Código Florestal Brasileiro: “Nos pantanais e planícies pantaneiras, é permitida a exploração ecologicamente sustentável, devendo-se considerar as recomendações técnicas dos órgãos oficiais de pesquisa, ficando novas supressões de vegetação nativa para uso alternativo do solo condicionadas à autorização do órgão estadual do meio ambiente, com base nas recomendações mencionadas neste artigo.”

Assim resta evidente que as áreas localizadas no Pantanal não podem e não devem, por pura ideologia, se tornarem áreas intocáveis. A legislação é clara no sentido de permitir a exploração dessas áreas, devendo apenas levar em consideração as recomendações técnicas dos órgãos oficiais de pesquisa, e submeter às novas supressões à autorização do órgão estadual de meio ambiente.

 Da mesma forma, é público e notório que as áreas do Araguaia e Guaporé nunca foram consideradas Pantanal. É um erro tentar classificá-las de uma forma diferente da unidade de planejamento utilizada pela legislação que é o bioma.

 A recategorização de parcelas de território é a passagem de riquezas que são divididas em centenas de famílias, que ocupam a região há mais de trezentos anos, para as mãos não se sabe de quem, a fim de atender interesses que também não se sabe de quem. É uma total desconsideração e uma violência sobre os modos de vida das comunidades locais que, por longos períodos, mantiveram a área em bom estado de conservação e equilíbrio, contribuindo para sua manutenção.

Esse tipo de iniciativa, como a cogitada (e já tão estruturada) enfraquece o povo de uma maneira geral, pois é arbitrária, não configura uma ação que beneficia a população, ao invés de organizar, desorganiza; ao invés de enriquecer, torna a população mais pobre e sem emprego e renda. Esse não é o papel do Estado.

Fonte: rdnews.com.br

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