Dívidas e garantias: a Fazenda Pública na pandemia

Publicado por Ana Lacerda em

Ana Lacerda é Advogada atuante nas áreas de Direito Agrário e Ambiental na Advocacia Lacerda. Membro da comissão de Direito Agrário e da comissão de Direito Ambiental da OAB/MT

Em tempos de Covid-19, todos estão preocupados com, pelo menos, duas grandes crises: a sanitária e a econômica. A vulnerabilidade humana, de tantas ordens, escancarada, causa angústias perturbadoras.

Como alternativa, a remodelagem dos comércios, funcionando de maneira mais on-line, com serviços por delivery ou take away (sistema em que o comprador passa apenas para buscar o produto já escolhido), com pagamento via cartão, preferencialmente, também pretende gerar renda e manter a economia funcionando, ainda que de modo minimizado. Outros negócios estão se adaptando, mas é inegável, a contração econômica já é uma realidade.

Tendo esse contexto em vista, há uma preocupação a mais quando os comerciantes, empresários, produtores e outros casos similares, possuem dívidas com a Fazenda Pública e podem ter esses valores bloqueados pelo sistema BacenJud (sistema que interliga a Justiça ao Banco Central e às instituição bancárias, para agilizar a solicitação de informações e o envio de ordens judiciais ao Sistema Financeiro Nacional, via internet). A situação, que já não é favorável, pode piorar ainda mais.

“Com o objetivo de amenizar as dificuldades decorrentes da crise, que o Juiz Federal Alexandre Rossato da Silva Ávila, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, exarou decisão em uma Ação de Execução Fiscal, em que permitiu a liberação de valor já bloqueado via BacenJud, após a substituição por outra garantia”

É nesse sentido e com o objetivo de amenizar as dificuldades decorrentes da crise, que o Juiz Federal Alexandre Rossato da Silva Ávila, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, exarou decisão em uma Ação de Execução Fiscal, em que permitiu a liberação de valor já bloqueado via BacenJud, após a substituição por outra garantia.

No caso em comento, a empresa recorrente afirma que os valores bloqueados nos autos da Ação de Execução Fiscal são necessários para o pagamento de seus empregados e outros custos relativos ao desenvolvimento de suas atividades, razão pela qual são impenhoráveis. Alega ainda que passa por graves dificuldades em razão dos decretos editados pela Prefeitura local em decorrência da pandemia do Covid-19, sendo que passou a funcionar de portas fechadas e não pretende dispensar seus trabalhadores. Invoca o princípio da razoabilidade e requer a antecipação da tutela recursal para que seja liberada a quantia bloqueada via BacenJud.

A decisão proferida em março de 2020 menciona que, considerando a pandemia do Covid-19, que acarretou como obrigação o isolamento social, houve a redução ou paralisação de muitas atividades econômicas. Nesse escopo, o magistrado levou em conta o princípio da menor onerosidade ao devedor e o princípio da universalidade da jurisdição que, segundo ele, “conferem ao Poder Judiciário uma amplitude de ação para zelar pelas garantias individuais do devedor.”

A ideia é ponderar para que não prevaleça somente os interesses da Fazenda Pública no ordenamento, uma vez que esse tipo de bloqueio pode inviabilizar a atividade, que já passa por períodos críticos e, em não raros casos, pode resultar no cerceamento e aniquilação das atividades exercidas pelos contribuintes.

É preciso destacar ainda que o próprio Código Tributário Nacional contém um sistema de garantias jurídicas protetoras dos interesses privados. Assim, na hipótese de uma execução pela Administração Tributária, deve-se apreciar se ela causa prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação. Ou seja, existem contrapesos a serem avaliados. É evidente que o interesse público também perdura, mas não se está diante de um cenário cotidiano, há espaço para medidas contingentes, como o caso da decisão ora em comento.

Nessa conjuntura de incertezas e instabilidade, é imprescindível que haja a possiblidade de negociação e de flexibilização, até mesmo da uniformidade da jurisprudência. São tempos inesperados, é preciso assegurar a proteção da confiança e a segurança jurídica. Há que se fazer mais interpretações que corroborem com o entendimento em discussão, os interesses do devedor e os da Fazenda Pública devem ser resguardados.

Ressalta-se que não se trata de eximir o responsável pela dívida, mas de proteger os créditos a fim de que as atividades laborais permaneçam, que os empregados possam ser mantidos e os fornecedores pagos. A consequência disso é buscar uma reversibilidade do quadro crítico atual, para que, dentro em breve, os interesses da Fazenda Pública também sejam contemplados.

“Nessa conjuntura de incertezas e instabilidade, é imprescindível que haja a possiblidade de negociação e de flexibilização”

A decisão do TRF-4 aponta para o mesmo raciocínio que fundamentou recentemente o julgamento realizado pelo Ministro Alexandre de Moraes. O Ministro afastou, excepcionalmente, em decorrência do estado de calamidade pública, dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n° 101/2000) e da Lei de Diretrizes Orçamentárias (Lei n° 13.898/2020).

Em coerência com a deliberação anterior, abre-se a possiblidade de o estabelecimento oferecer outras garantias, como imóveis ou outros bens a serem operacionalizados pelo juízo agravado.

No caso de ter os valores bloqueados e/ou em casos análogos, principalmente nesse momento em que vivemos a pandemia do Covid-19, faz-se essencial o auxílio jurídico adequado para elaborar pedidos formais, que viabilizem o funcionamento dos negócios que, por sua vez, permitirão o posterior pagamento de impostos.

Fonte: rdnews.com.br

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