Silenciamentos – CPI das ONGs

Publicado por Ana Lacerda em

Ana Lacerda é Advogada atuante nas áreas de Direito Agrário e Ambiental na Advocacia Lacerda. Membro da comissão de Direito Agrário e da comissão de Direito Ambiental da OAB/MT

Dando seguimento ao assunto abordado nesta coluna na semana anterior acerca das obscuridades que acontecem envolvendo Organizações Não Governamentais (ONGs), vale recordar, a título de conhecimento, os resultados (ou melhor, a falta deles) obtidos pela Comissão Parlamentar de inquérito (CPI) das ONGs, proposta pelo Senado Federal, instalada em 2007, durante o governo Lula. Essa CPI foi encerrada em 2010 sem que houvesse uma conclusão sobre a investigação, tendo em vista a falta de cooperação das ONGs e uma série de empecilhos, muitas vezes criados por elas, que impediram o prosseguimento da apuração dos fatos.

Considerando a estagnação da averiguação e, por conseguinte, um silenciamento sobre questões fundamentais ao interesse público, uma nova CPI da ONGs está sendo discutida no Congresso Nacional. Alguns deputados federais tem buscado apoio e coletado assinaturas para instalar a nova CPI que tratará de investigar a atuação das ONGs no País, desde o financiamento até o produto final que elas apresentam para a sociedade em correlação às atividades empreendidas.

As ONGs compõem o que se chama de “terceiro setor”, e são, frequentemente, fomentadas com valores obtidos do erário público, mas com essa titulação de “não governamental”, elas acabam por não prestar contas a nenhuma entidade de competência fiscalizadora, restando fora dos radares de gestão e controle do Estado.

“São, muitas vezes, irrigadas com dinheiro público. Outras são financiadas pelo mercado internacional. Os interesses mal esclarecidos e a falta de transparência nos procedimentos, levantam suspeitas”
São, muitas vezes, irrigadas com dinheiro público. Outras são financiadas pelo mercado internacional. Os interesses mal esclarecidos e a falta de transparência nos procedimentos, levantam suspeitas. Os parlamentares envolvidos na proposta da nova CPI indagam, por exemplo, quem são os financiadores das grandes ONGs e a que tipo de atividades esses abalizadores se dedicam. Se haveria conflito de interesses ou interesses convergentes que resvalam à ética.

Paira uma avaliação do setor produtivo – sobretudo do rural – de que determinadas ONGs trabalham alinhadas aos interesses dos concorrentes do Brasil no mercado internacional de produtos agropecuários.

Essa movimentação representa cifras significativas. É preciso saber quem paga e o que é feito com os recursos repassados a ONGs. Isso sem nem mesmo mencionar que os assuntos relativos à atuação dessas organizações estão atrelados ao bem-estar social, sustentabilidade ambiental, entre outros itens de fundamental importância à vida em coletividade.

É passada a hora de aprofundar o debate. As relações entre ONGs, Estado e demais investidores deve ser clara. No já distante 2006, o então Senador Mozarildo Cavalcanti em discussão sobre o ora denominado “terceiro setor: “Se o assunto é tão relevante, por que não se regulamenta?”. Acrescento: a quem serve esse silenciamento e o que mais ele cala?

Falta clareza de paradigma! O debate é por demais relevante para se embasar em mera casuística. Outro cerne do tema é a heterogeneidade dos assuntos de interesse das ONGs, o que dificulta um acompanhamento especializado e pontual das ações exercidas.

“ a quem serve esse silenciamento e o que mais ele cala?”

Ainda falando sobre a CPI encerrada em 2010, o relatório final referente explicitou o objeto de investigação: “o repasse de recursos federais para ONGs e OCIPs no período de 1999 até 30 de abril de 2009.”. E ainda, nas primeiras linhas apresenta a inconclusão: “é amplo e impreciso. Não aponta política pública, ministério, programas, entidades ou convênios específicos.”.

Dessa feita, embora houvesse a intenção e o desenvolvimento de um exaustivo trabalho de análise de base de dados, auditorias realizadas pelos órgãos de controle, oitivas de depoimentos de especialistas e autoridades, ações promovidas pelo Ministério Público, revisão normativa e, inclusive, bibliográfica para chegar a um resultado concreto capaz de orientar e regular com bases firmes as parcerias entre os Poderes Públicos e as ONGs, ela não foi realizada eficientemente. A investigação se encerrou sem término ilativo.

Nesse sentido, quando se fala de ONGs, sempre surgem algumas dúvidas: quantas ONGs existem na Amazônia, e quantas estão presentes no resto do país? para quem essas ONGs prestam contas? se por ventura existe prestação de contas, elas são prestadas juntamente com apresentação de contratos, notas fiscais válidas e relatório mensal de suas atividades para um órgão de controle? é possível quantificar qual é o valor total que circula pelas ONGs? além da finalidade de criminalizar os produtores rurais, quais são os resultados econômicos apresentados pelas ONGs? para quem são apresentados esses resultados?…

Não se trata de generalizar negativamente as ONGs. É sabido que muitas produzem benefícios sociais e caminham rumo ao desenvolvimento de políticas que compõem uma sociedade mais organizada e igualitária. Trata-se, sim, de reconhecer a existência de graves problemas e a necessidade de esclarecimentos por parte dessas Organizações, para que, ao final, haja parcerias realmente produtivas. É o reconhecimento que se está diante de uma demanda que requer profundas mudanças no processo, com o intuito de que, no futuro, seja possível, de modo transparente, legal e moral, contribuir para um mundo melhor.

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