Mato Grosso se manifesta!

Publicado por Ana Lacerda em

Ana Lacerda é advogada especialista em Direito Agrário e Ambiental

Não permitiremos que invadam e agridam nosso Pantanal! Essa é a mensagem que tem ecoado após a descabida consulta realizada pelo ICMBio em relação a criação e ampliação de Unidades de Conservação no Pantanal Mato-Grossense nos municípios de Cáceres, Poconé e Barão de Melgaço.

O Ministério Público Federal, por intermédio da Procuradoria da República em Mato Grosso, (e em coro com a população mato-grossense) recomendou a interrupção do processo iniciado pelo ICMBio. O MP chamou a atenção para a garantia constitucional, prevista no caput do art. 225 da Carta Magna, de que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida.

Um ponto de descuido e mau gosto na proposta em comento foi a desatenção ao que rege a Lei Federal nº 9.985/2000, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza, quanto à imprescindibilidade da apresentação de estudos técnicos que identifiquem a localização e a dimensão dos limites mais adequados a cada unidade sugerida, previamente a consultas públicas.

Foi preciso rememorar ao ICMBio que a “mera disponibilização do Resumo Executivo da Proposta de Criação do Mosaico de Unidades de Conservação do Pantanal Norte não supre a exigência legal de disponibilização dos estudos técnicos, previamente à consulta pública, no curso do processo de criação de unidades de conservação”, conforme afirmou o Procurador da República, Pedro Melo Pouchain Ribeiro.

Nas consultas públicas realizadas nos municípios de Cáceres e Poconé, ficou mais que evidente que a sociedade civil, o governo, e os maiores interessados e protetores do Pantanal, os pantaneiros, foram eloquentemente contra a proposta do ICMBio.

E ainda, em observância ao Princípio 10 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento da Conferência das Nações Unidas (1992), todos os interessados no processo devem ter ciência e condições de acesso a todas as informações pertinentes, bem como devem ser disponibilizados todos os mecanismos judiciais e administrativos concernentes, inclusive à compensação e reparação de danos causados na eventualidade da execução proposta, fato que não ocorreu.

É notoriamente sabido que caso mencionado procedimento administrativo seja levado a diante, aproximadamente 103 famílias teriam que deixar a terra na qual vivem há gerações. Outros danos incalculáveis seriam acarretados. Mesmo que houvesse alguma indenização financeira, nada poderia pagar o sentimento de perda de raízes, nenhuma atividade substituiria, em proporção equivalente, a atividade laboral e costumes de vida das famílias pantaneiras. Não se trata apenas de mudar esse povo de lugar, seria uma violenta agressão cultural, uma mutilação no modo de viver da nossa gente: irrecuperável!

As alterações que envolvem o meio ambiente devem atender a três elementos-chave: acesso à informação, participação pública na tomada de decisões e acesso à justiça. O que, ostensivamente, foi ignorado.

Houve sim, abertamente, desrespeito às normativas; falta de estudos técnicos e indispensáveis, publicados anteriormente à consulta pública; ausência oitiva da opinião popular sobre o intento; comprometimento gravíssimo do debate salutar a qualquer alteração que atinja o meio ambiente. Ou seja, o processo incorre em nulidade por numerosos vícios e inconsistências.

O Ministério Público, foi senhor da coerência nesse caso e taxativo quanto à obrigação de o ICMBio interromper quaisquer medidas de implantação da proposta de criação e ampliação das unidades de conservação, tendo em vista estar em desacordo com uma série de dispositivos legais.

É uma característica inseparável do pantaneiro o uso sustentável do bioma, há séculos a produção e a vida fluem harmonicamente na região. Esse povo conserva o local, mantendo-o vivo, limpo e equilibrado por gerações, sem jamais ter recebido verbas de Governo, ou “ajuda” de ONGs e Institutos. Eles preservam e protegem o Pantanal há anos! O Pantaneiro não vive sem o Pantanal, e vice-versa.

Urge estar em alerta constante em uma tentativa de amenizar o quão vulnerável se pode ficar sob a insalubre periculosidade que paira sobre essa terra e esse povo. É preciso ainda ter em mente que, embora o documento emitido pelo MP seja de grande peso e relevância, esse processo não chegou ao fim. É necessário estar atento, é necessário manifestar-se!

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