Por onde navegará o pantaneiro?

Publicado por Ana Lacerda em

Ana Lacerda é advogada especialista em Direito Agrário e Ambiental

Quem vive, conhece e ama o Estado de Mato Grosso não perde uma oportunidade de referenciar esta terra com o Pantanal. Quando em viagem, sempre há alguém que nos pergunta de onde somos.  Está aí o ensejo perfeito em que, cheios de orgulho e pertencimento, contamos: “Sou de Mato Grosso, onde está o Pantanal!”. Desse ponto em diante, haja tempo para mostrar fotos, versos, arte, falar do modo tranquilo, trabalhador e harmônico do povo pantaneiro…

Do outro lado, está uma gente que enxerga uma mina de ouro em nossa terra, e empreende esforços constantes para enriquecer às custas do patrimônio natural dessa planície, similar ao que aconteceu em colônias de exploração da época do Brasil Império.

As justificativas para adentrar a casa alheia e mexer no que não diz respeito são as mais absurdas! São muitos os cacos de espelhos que tentam trocar pelo ouro daqui! Urge que o povo mato-grossense se una e que a sociedade civil brasileira se organize para não sofrer essa agressiva invasão!

Explico: nos dias 30 e 31 de julho deste ano, ocorreu, nos municípios de Cáceres e Poconé, Consulta Pública proposta pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), cujo intuito era discutir e analisar proposta de criação de duas novas unidade de conservação em esfera federal: uma Reserva de Fauna e um Refúgio de Vida Silvestre, e ainda, a ampliação da Estação Ecológica de Taiamã e Parque Nacional do Pantanal mato-grossense.

Como falar em criar e ampliar Unidades de Conservação, quando a mera implantação da ideia supracitada, de início, já impacta negativamente em 103 famílias pantaneiras que vivem há gerações no local, cuidando e protegendo a terra que, em seu âmago, os integra?

É preciso ressaltar que se trata de uma consulta pública e que os mais de 400 produtores rurais da região, os representantes sindicais do homem do campo de Cáceres e Poconé, bem como a própria Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema) manifestaram-se contra a implantação das medidas aludidas.

Nas palavras do Secretário de Estado de Meio Ambiente, André Baby, “Temos 83% do bioma Pantanal preservados. Toda e qualquer expansão de área para Unidade de Conservação no Pantanal não será aceita pelo governo de Mato Grosso”.

A Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso (Famato) também participou das consultas e, igualmente, posicionou-se a favor dos pantaneiros. O diretor de Relações de Institucionais da Famato, José Luiz Fidelis, criticou a atuação do ICMBio: “Para nós foi uma surpresa essa consulta. Entendemos que o ICMBio precisava ter convocado toda a sociedade, entidades públicas, privadas e representativas para discutir um assunto de extrema importância e que irá impactar muita gente.”.

Tais informações sobre a preservação da área estão corroborados por estudos do Ibama – Instituto Brasileiro de Meio Ambiente em que verifica-se que o Pantanal é o bioma mais preservado no Brasil, (e um dos mais preservados do mundo). Conta com 83% da sua cobertura vegetal original, cuidada pelo povo que lá vive há mais de 300 anos.

Os próprios ambientalistas da região são contra a proposta do ICMBio. Em uma carta-reclamação destinada à Presidência da República, os estudiosos argumentaram: “A proposta do mosaico de unidades de conservação do Pantanal ora apresentada pelo ICMBio tem base técnica muito frágil. As áreas escolhidas não são as mais relevantes e as categorias de manejo definidas não são adequadas. A proposta de mosaico parece ter sido realizada mais para impressionar com números grandes do que efetivamente para se obter a urgente e necessária ampliação qualitativa da área protegida naquele bioma”.

Não há coerência em se falar que é preciso mudar o Pantanal, implantar políticas e regramentos sem sentido que prejudicam o povo pantaneiro, maior interessado na conservação da terra da qual muito além de tirar o próprio sustento, integra-o como parte indissociável.

Há que se questionar a quem serve a ampliação apresentada. Quem se beneficia com a implantação de unidades de conservação desnecessárias? O que se gasta para isso? Quem paga para quem? Por que não liberar aos proprietários rurais do Pantanal os recursos que estão sendo gastos pelo ICMBio e MMA, além das indenizações obrigatórias, para que esses, que sempre cuidaram do Pantanal sem a presença do Estado Brasileiro, continuem cuidando, produzindo e vivendo no Pantanal?

Caso essa descabida proposta seja levada adiante exatamente nos termos da redação original, teremos uma área com aproximadamente 943.278 hectares atingida por seus efeitos, onde 523.369 hectares referem-se à ampliação e criação das novas áreas e 419.909 hectares referem-se à zona de amortecimento. Ou seja, como a proposta de criação e ampliação das UCs sobrepõe propriedades particulares, a indenização referente a essa área chegaria ao patamar de R$ 2,5 bilhões, levando-se em consideração apenas o Valor da Terra Nua.

No entanto, se tomarmos como base o mesmo critério utilizado pelo Ministério Público Estadual, quando autuou e criminalizou os produtores rurais da Serra Ricardo Franco, o valor da indenização das propriedades particulares chegaria ao patamar de R$ 51.996,90 por hectare. Afinal, o mesmo critério utilizado para autuar e criminalizar, deve ser utilizado para valorar o dano ambiental evitado quando for indenizar o proprietário.

Embora o ICMBio argumente que as áreas objeto da proposta são improdutivas e alagadas, restou comprovado pelo Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária (Imea) que 30% da área têm aptidão regular para pastagem plantada, somando 287,9 mil hectares e capacidade para silvicultura.

Não permitiremos que invadam e tomem nossa terra por interesses obscuros e mal embasados!

Essa terra de céu amplo, horizonte infinito, palco de um ballet de jacarés, tuiuiús e araras, banhada por águas claras repletas de vida onde navega o pantaneiro tem dono e precisa do cuidado de quem sempre viveu e amou esse lugar!

E assim, quando me perguntarem novamente de onde sou, que eu possa continuar respondendo: Sou de Mato Grosso, terra do Pantanal, lugar lindo e preservado há séculos! Abundante de ricas águas cristalinas pelas quais navega valoroso pantaneiro!

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