Leva e traz

Publicado por Ana Lacerda em

Ana Lacerda é advogada especialista em Direito Agrário e Ambiental

A recente e corrente manifestação dos caminhoneiros no Brasil chama a atenção de todo o país por afetar direta e indiretamente a vida de todos os brasileiros. Não chega combustível aos postos de abastecimento, ninguém se locomove, os produtos não chegam, o transporte público para, os serviços públicos ficam impedidos de continuar e os produtos produzidos na região Centro-Oeste, conhecida como celeiro do Brasil, tampouco têm como sair para a exportação, por exemplo.

Faz-se importante ressaltar que esta matéria não apresenta méritos sobre a greve, mas faz uma reflexão sobre a forma de transporte eleita no Brasil, com foco mais específico em Mato Grosso, e como ela repercute sistematicamente na economia relacionada à produção de grãos do Estado.

Além disso, essa situação traz à baila outra questão importante: ainda que o modo de transporte seja alterado, não significa que o preço da gasolina, álcool, diesel, e querosene não tenham reflexo direto no custo final do transporte de cargas e passageiros. O governo tem, sim, que rever o valor do combustível, reduzindo a níveis compatíveis com a realidade brasileira.

Essa semana, a concessionária Rota do Oeste informou que, somente em Mato Grosso, existem 11 trechos de escoamento de safra interditados pelo movimento grevista. Embora esse fator seja um impeditivo limitador nos dias atuais, não é de hoje que as condições do transporte são desfavoráveis à economia nacional.

São problemas velhos conhecidos: a infraestrutura precária das rodovias no que concerne à malha asfáltica, algumas vezes até mesmo inexistente, bem como o mau estado de pontes, os constantes fechamentos por manifestantes de movimentos fundiários ou indígenas e pedágios cada vez mais presentes.

As longas jornadas de trabalho, preço de combustível elevado em decorrência de impostos e taxas altíssimas, diversos tipos de insalubridade e prazos desumanos também compõem o rol de fatores que dificultam a ida e vinda daqueles que trabalham nas rodovias de Mato Grosso. Citados esses, ainda faz-se importante registrar a ocorrência de inúmeros acidentes com envolvimento de carretas nas estradas brasileiras.

Entretanto, é preciso considerar que existem alternativas mais rentáveis ao agricultor que o transporte de grãos via rodovias. A Famato, em pesquisa recente, demonstrou que o transporte dos grãos por hidrovia seria responsável por uma redução de custos na ordem de 70%; enquanto, a opção de transporte por ferrovia acarretaria uma economia de 35% dessas despesas.

Em que pese a força representativa das contas apresentadas, nesta safra de 2018, Mato Grosso, o maior produtor de soja nacional, continuará escoando a produção do grão pelas estradas, via caminhão.

O percurso a ser feito pelos caminhões até os portos de Paranaguá e Santos, principais destinos dos grãos para a exportação, custa caro, é lento e, por consequência, é ineficiente. No ano de 2017, o preço médio da tonelada de soja no mercado internacional era de US$ 498,00 (quatrocentos e noventa e oito dólares), enquanto se gastou com o transporte dessa mesma tonelada cerca de US$ 120,00 (cento e vinte dólares), ou seja, cerca 25% do que se gera com a venda da soja corresponde apenas ao gasto investido em transporte.

Considerando os estudos propostos pela Famato, esse valor cairia para US$ 36,00 (trinta e seis dólares) no caso de transporte hidroviário para os grãos, o que resulta em uma economia de US$ 84,00 (oitenta e quatro dólares) por tonelada exportada. Uma verdadeira poupança ou fonte de investimento desperdiçada.

Dados da Embrapa (2016) indicam que Mato Grosso liderou a produção nacional de soja, com uma área de 9.140 milhões de hectares destinados ao cultivo do grão, no ano correspondente, com uma produção equivalente a cerca de 26 milhões de toneladas, compondo a produção total brasileira com fatia de 1/4.

Levando em conta as dimensões continentais do Brasil e sua incomparável base de recursos naturais e sabendo que o setor do agronegócio figura como destaque principal na promoção do processo de estabilização econômica brasileira, é preciso perguntar: a quem serve que os grãos continuem sendo transportados do modo mais lento e caro?

A questão logística é fundamento basilar para o sustento do setor do agronegócio no Brasil e precisa ser pensada para além da superficialidade. Não basta melhorar as estradas ou remendar o asfalto continuamente, até a próxima temporada de chuvas.

As medidas paliativas não têm sido e jamais serão suficientes e justas. É preciso planejar, executar e controlar modos de armazenar e garantir um fluxo adequado aos produtos nacionais, pensando em uma estratégia de aumento de ganhos propriamente, e ainda, em uma maneira de tornar Mato Grosso mais competitivo no mercado internacional.

Muito do que se produz é perdido durante o transporte. Jaime Binsfeld, presidente da Fiagril, trading de grãos sediada em Lucas do Rio Verde – MT, esclareceu sobre a diferença que ecoa negativamente nas contas da soja: “É 0,25% sobre o peso embarcado, em relação ao peso de destino.”

O modal de transporte rodoviário encontra desvantagem em relação ao ferroviário, por exemplo, no que se refere à capacidade de transporte e algumas limitações quanto à quantidade de carga e restrições quanto à segurança. Outro fator preponderante para a escolha do modal ferroviário em detrimento do rodoviário é a economia de combustível, a diferença denota valores quatro vezes menores daquele para este. É evidente que as ferrovias, por si, não abarcariam toda e qualquer carga, todavia, facilitariam expressivamente o transporte de diversos produtos, notadamente, muitos do agronegócio.

O modal hidroviário também é uma alternativa vantajosa, além de agregar ganhos em relação ao meio ambiente, possui um custo razoavelmente fixo, ademais de beneficiar quanto à possiblidade do transporte de cargas significativamente pesadas. O Brasil e Mato Grosso possuem uma vasta extensão de vias navegáveis pouco exploradas, reverberando em importantes perdas econômicas.

Em 2015, caminhoneiros fizeram greve no Brasil, entre fevereiro e março. Mas, as evidencias demonstram que a oportunidade de aprender a lição e mudar o rumo da história não foi bem aproveitada!

O fornecimento e distribuição de combustível no Brasil, como se notoriamente se releva, mais uma vez, na paralisação que ora ocorre, é essencial para a continuidade de incontáveis atividades, mas, o estado continua com holofotes nos motivos intermediários e não chega a soluções que realmente atendam as demandas mais importantes do produtor brasileiro.

Entre as muitas idas e vindas dos grãos pelo país, o que já pode ter um destino final é o descaso dos poderes públicos com o produtor, agente gerador, pilar fecundante e propulsor de crescimento brasileiro.

Outro interessante ponto que merece encerramento de percurso é a completude de obras que não saíram do estágio de projeto e que receberam milhões de investimento de programas de Estado, a exemplo da Ferrovia Norte-Sul, Hidrovia Paraguai – Paraná, que seriam de grande relevância no cenário atual; e que, como muitas outras obras públicas, arrastam-se inacabadas por prazos absurdos!

Seguimos aguardando o desfecho da greve e as medidas modificadoras, que deverão (ou deveriam) partir do Estado a fim de que se altere positivamente essa realidade da qual se é, indefinidamente, refém de tantos modos.

É urgente repensar e atuar sobre o custo do combustível; e de outro norte, é necessário suprir a ausência de investimento em um modal de transporte alternativo ao rodoviário, seja hidroviário ou ferroviário. O que não se pode mais é ficar parado! É preciso ir e vir.

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