O pantaneiro e o Pantanal

Publicado por Ana Lacerda em

Ana Lacerda é advogada especialista em Direito Agrário e Ambiental

Dando sequência ao artigo publicado a respeito do Pantanal, tendo em vista a relevância do assunto para Mato Grosso e para o Brasil, é preciso destacar a importância do povo pantaneiro, bem como alertar sobre a situação que, instaurando-se, subjuga os direitos dessas pessoas.

Distante dos holofotes e dos ambientes formais, onde se discute sobre ele, vive um povo simples que colhe o sustento da terra em que habita, à qual preserva e contempla, além de homenagear abundantemente em versos e canções: o povo pantaneiro.

Como mencionado em artigo anterior, o Projeto de Lei n. 750/2011, que dispõe sobre a política de gestao e proteção do bioma Pantanal, de autoria do senador Blairo Maggi (ministro da Agricultura), está prestes a decidir rumos para a vida desse povo.

É público que o artigo 255 da Constituição Federal define que o bioma Pantanal é patrimônio nacional e deve ser regido por lei específica. Pois bem, regule-se, entretanto, primeira e principalmente, dê-se voz ao maior interessado na preservação e prosperidade de sua terra.

O Pantanal e o pantaneiro se completam: um decifra e constrói o outro. O pantaneiro observa a fauna e a flora, é influenciado por elas; estuda as mudanças do clima; trabalha usando isso a seu favor; lida com enchentes ou estios prolongados por intermédio de um rico conhecimento empírico, aplicado inclusive na produção de medicamentos naturais, herança de conhecimento deixada pelos índios, primeiros habitantes, e pelos povos confinantes como os paraguaios e bolivianos. O Pantanal é para o pantaneiro: casa, trabalho, inspiração e cuidado.

Não há povo que se assemelhe ao pantaneiro quanto aos seus costumes. Até mesmo para locomover-se na planície, o homem pantaneiro teve que reinventar. Para atravessar a região e tocar o gado, o meio de transporte mais comum é o cavalo pantaneiro, resistente ao trabalho dentro da água, e, em segundo lugar, figuram as embarcações de diversos tamanhos e modelos.

Em um cenário colorido e surreal, o pantaneiro possui hábitos de alimentação também únicos: muitos pratos típicos são baseados na variedade de peixes ofertada tipicamente pela região; existe ainda o “quebra-torto”, que consiste em arroz com carne, consumido pela manhã, acompanhado de leite com café; para prosear ou cantar com amigos, pode beber um tereré… Esse homem integrado a tudo que o rodeia é o principal responsável pela riqueza e pela vida pantaneira.

Ainda que, não raras vezes, sem o conhecimento acadêmico formal daqueles que querem decidir o futuro da região, o homem pantaneiro conhece as peculiaridades da terra em que vive. Sabe os períodos certos do plantio e colheita, bem como lida com maestria com a notável sazonalidade do clima.

Há cerca de 200 anos a região foi sendo ocupada para a realização de atividades pecuaristas e, de modo tradicional, continua sendo a principal atividade econômica da região, seguida pela pesca e, posteriormente, pelo turismo proporcionado pelas opulentas belezas naturais, bem como pela cultura ímpar de quem vive ali.

Milhões de cabeças de gado compõem o rebanho pantaneiro; isso representa um grande percentual das atividades econômicas dos Estado de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Além disso, são nativas do Pantanal 4.700 espécies entre animais e plantas. E estudos recentes demonstram que o Pantanal encontra-se preservado em 86% de seu território, configurando-se assim em um dos biomas mais preservados do mundo. Alguns poderiam complementar com: “mesmo ocupado, o Pantanal está preservado.”, entretanto, ao avaliar com olhos críticos a realidade que ali se encontra, sem sombra de dúvidas a construção possível é: “por estar ocupado por essas pessoas comprometidas com a terra e a vida, o Pantanal está preservado quase em sua totalidade.”.

“Ao homem pantaneiro: sua terra, sua vida, sua cultura, seus direitos, sua voz!”
A preservação ou, em outros termos, a boa gestão do bioma Pantanal é o derradeiro interesse daqueles que lá habitam e retiram de lá o sustento para a vida.

Faz-se urgente que a sociedade civil pantaneira se organize para defender seus interesses, sua terra! É o pantaneiro que vive nessa planície alagável em equilíbrio com a natureza há anos. É esse povo que recebe os turistas e os encanta com seus costumes, culinária, música e pleno conhecimento do lugar. Trata-se de uma população que convive harmonicamente com o meio ambiente, respeitando a dinâmica cíclica de inundações e recuos das águas pantaneiras. Essa é uma comunidade que assimilou como deve trabalhar em cada um dos períodos pluviais e sabe, melhor que ninguém as reais necessidades e limites do bioma.

É necessário gerir e proteger o Pantanal por meio de leis; mas, é imprescindível que essas regulações protejam também o bem-estar e os direitos de quem vive ali.

Ao homem pantaneiro: sua terra, sua vida, sua cultura, seus direitos, sua voz!

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