Constituição violada

Publicado por Ana Lacerda em

Ana Lacerda é advogada especialista em Direito Agrário e Ambiental

Um erro não justifica o outro. Mas, infelizmente, foi essa a demonstração dada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na semana passada, durante o julgamento do HC (habeas corpus) impetrado pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao manter uma decisão, tomada em 2016, de permitir a prisão de um condenado em segunda instância.

Esta decisão é considerada um erro, pois viola e infringe uma cláusula pétrea, garantida pela nossa Constituição Federal. Cláusula pétrea é um dispositivo constitucional que não pode ser suprimido ou abolido. As cláusulas pétreas inseridas na Constituição do Brasil de 1988 estão dispostas em seu artigo 60, § 4º, sendo elas: a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; e os direitos e garantias individuais.

Neste sentido, no que se refere aos direitos e garantias individuais, a Constituição Federal/88 traz de forma expressa em seu artigo 5º, inciso LVII que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Ou seja, enquanto não estiverem esgotadas todas as possibilidades de recursos, por parte do condenado, não pode haver execução da pena.

Antes disso, somente em caso de prisão preventiva decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. Ou seja, a prisão antes do transito em julgado é uma exceção, que ocorre apenas nos casos previstos do artigo 312 do Código de Processo Penal.

Respeito a opinião dos partidários sobre a prisão do ex-presidente Lula (assim como os que reagem a ela, alegando seletividade e celeridade), mas a Constituição Federal não pode ser rasgada para atender uma situação emergencial e pontual, como bem definiu o criminalista e coordenador do curso de pós-graduação de Direito Penal do IDP/SP, Fernando Castelo Branco.

Alguns ministros argumentaram que a decisão de 2016 foi tomada porque o Brasil sofreu sanção da Corte Interamericana de Direitos Humanos por não efetivar as condenações. Ou seja, demorava-se tanto para findar o julgamento dos processos, que a pena prescrevia. Decidiram então reduzir o trâmite, passando por cima da Constituição.

Neste caso, o problema está na inversão de papéis. Ao Supremo Tribunal Federal cabe o dever de ser o guardião da Constituição, não possuindo o direito de alterá-la.

Não há pragmatismo, nem apelo midiático, que justifique a manutenção de um erro. Ao excluir a presunção de inocência, o STF não atingiu apenas o ex-presidente, mas, sim, todos os brasileiros, pois violou um direito garantido constitucionalmente a todos nós.

Não é aceitável que o coro da condenação em segunda instância como pena privativa de liberdade seja aceito no país como solução de conflitos. Sabe-se que essa legislação simbólica gera repercussão na sociedade, mas que na realidade, não é aprovada para resolver os verdadeiros problemas do país.

É importante que o STF esclareça para a sociedade quantas pessoas estão condenadas em segunda instância no Brasil, e quantas estão encarceradas. Não seria melhor o Poder Judiciário dar celeridade nos julgamentos dos processos em todas as instâncias, ao invés de ferir a Constituição de 1988? Caso contrário, ficará obrigado a respeitar o princípio da coordenação e da igualdade, previsto no artigo 5º da CF, que diz que todos são iguais perante a lei.

É melhor o STF reconhecer o erro, do permanecer nele e colocar em risco o Estado Democrático de Direito.

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