Presunção de inocência

Publicado por Ana Lacerda em

Ana Lacerda é advogada especialista em Direito Agrário e Ambiental

Obrigatório e condição necessária para que o proprietário rural tenha acesso ao crédito agrícola em instituições financeiras, o Cadastro Ambiental Rural, criado pela Lei 12.651/2012, também conhecida como novo Código Florestal, reúne as informações de todas as propriedades e posses rurais do país, compondo uma base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento.

Seria, portanto, primeiro passo para regularização ambiental dos imóveis, abrindo espaço para o país caminhar rumo a uma agricultura cada vez mais sustentável. Porém, para seguir nesta direção seria necessário que cada Estado da Federação estabelecesse suas regras para os Programas de Regularização Ambiental (PRAs) e o Governo Federal regulamentasse as Cotas de Reserva Ambiental (CRAs).

Nada disso aconteceu até o momento. Nem o Governo Federal regulamentou as CRAs e a maioria dos Estados ainda não tem regra para os PRAs. Para complicar ainda mais a situação, o Código Florestal foi questionado no Supremo Tribunal Federal (STF) tanto pelo Ministério Público Federal quanto por ambientalistas radicais, deixando-o em suspensão.

Mas isso não resultou em uma trégua. Embora a agricultura nacional empregue 32 milhões de pessoas (mais de um terço de toda mão de obra empregada), tenha uma participação de 32% no Produto Interno Bruto (PIB) e mantenha um crescimento sustentado, ainda é o patinho feio da economia brasileira e constantemente perseguida.

Recente estudo do Climate Policy Initiative, com escritórios em São Francisco (EUA), Rio de Janeiro, Londres (Inglaterra), Jacarta (Indonésia) e Nova Deli (Índia), comparou as legislações de proteção ambiental e de uso da terra de sete entre 10 principais países agrícolas mundiais (Alemanha, Argentina, Brasil, Canadá, China, Estados Unidos e França), com uma conclusão óbvia. Nenhum deles tem regras ambientais tão rígidas quanto as brasileiras.

Os mais 4,2 milhões de proprietários que se esforçaram para se cadastrar que o digam, especialmente os que se cadastraram com informações erradas, limitando ainda mais o uso do solo além do exigido pela lei. O receio do CAR se transformar em instrumento de perseguição e punição se tornou realidade. Não apenas seus cadastros foram expostos publicamente como foram utilizados para punição, sem que houvesse o trabalho de enviar fiscais aos locais.

Segundo divulgado pelo Blog Ambiente Inteiro, foram identificadas 1.262 áreas com desmatamento e 1.155 supostos responsáveis, com 757 ações já propostas e pedidos de indenizações que somam R$ 1,54 bilhão, podendo chegar a R$ 2,84 bilhões. Isso aconteceu em setembro do ano passado, no lançamento do “Amazônia Protege”, que abrange os estados do Acre, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins.

Desmatamento ilegal tem que ser punido. O problema está na criação de um sistema incapaz de distinguir culpados de inocentes. Como o caso de um proprietário de Rondônia. Ele recebeu multa de uma área herdada, ainda no inventário, cuja terra vizinha foi invadida por sem-terra, que desmataram, queimaram e o fogo passou para a sua futura área.

Ou seja, o futuro proprietário foi multado por ato não cometido, enquanto nada foi feito para impedir a ação dos movimentos sociais, cujas ações ilegais atingiram parte de sua reserva legal. Como foi acionado na Justiça, terá que contratar técnicos para provar sua inocência, alterando o princípio constitucional (artigo 5º, inciso LVII, da CF/88) de que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”.

Mas esta não parece ser a visão de determinados Órgãos da administração Pública Estadual e Federal, que além de abrir mão da presunção da inocência, também expõe estas pessoas a julgamento público em jornais e sites. Está na hora do proprietário ser tratado com o respeito que merece.

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