Devido respeito

Publicado por Ana Lacerda em

Ana Lacerda é advogada especialista em Direito Agrário e Ambiental

O balanço divulgado recentemente pelo Grupo de Inteligência Territorial Estratégica, da Embrapa, sobre áreas territoriais protegidas no Brasil chamou a atenção.

Segundo a nobre instituição, no início deste ano, que está se findando, exatas 12.184 áreas, abrangendo um total de 315,9 milhões de hectares de terra, o equivalente a 37,1%, foram alienadas pela União ou Estado sendo demarcadas como áreas intocáveis.

A grande maioria destas áreas (310,2 milhões de hectares, eliminadas as sobreposições existentes entre elas, ou 98,2% do total demarcado) foi distribuída à reforma agrária, à reservas indígenas ou unidades de conservação.

Desta forma, 88,8 milhões de hectares (10,4% do território nacional ou 20,5% da área agrícola) são ocupados por assentamentos rurais; 117,9 milhões de hectares (14% do país) por reservas indígenas e 103,9 milhões de hectares, já deduzidas as sobreposições, por unidades de conservação. O restante é ocupado por 296 quilombolas e 68 áreas militares.

Segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN, em inglês), filiada à Unesco e que reúne mais de 1.250 organizações, incluindo 84 governos nacionais e 112 agências de governos, entre os 9 países com mais 2,5 milhões de quilômetros quadrados, o Brasil é o com maior percentual de áreas protegidas (unidades de conservação mais as reservas indígenas).

Além disso, se nestes países são protegidas áreas inóspitas ou desérticas, como relevos andinos (Chile e Argentina), desertos da Austrália, da China e Sonora (EUA e México), Sibéria (Rússia e Cazaquistão) e Norte do Alasca, no Brasil, a situação é inversa.

Aqui, as áreas protegidas abrangem principalmente territórios com grande potencial econômico, que não podem ser explorados ou têm exploração limitada.

Outra infeliz realidade brasileira é o fato de muitas destas demarcações, cujas terras foram justamente adquiridas dos próprios governos Federal, estaduais ou municipais, não respeitarem o direito de propriedade.

Um exemplo são as demarcações de terras indígenas. Há casos em que o Estado brasileiro e instituições não apenas legitimam o caos e criminalizam a legítima defesa da propriedade, como também desrespeitam as prerrogativas do advogado no exercício da profissão. Um depoimento da advogada e produtora rural Luana Ruiz, de Mato Grosso do Sul, mostra a gravidade desta realidade.

Segundo a nobre advogada, há situações em que os pesos não são os mesmos. “De um lado, está o advogado e seu cliente proprietário rural, enquanto do outro estão os indígenas e seu advogado, o procurador federal representando os índios, o procurador federal representando a União, um advogado da União representando a União Federal, e o procurador da República, que lá (em Mato Grosso do Sul) o Ministério Público Federal representa o índio, e não fiscaliza a lei”, diz ela neste depoimento.

Vai além. Menciona ainda, uma decisão judicial que se baseou em um laudo que teve a participação de um antropólogo que pertencia a uma ONG que incentivava os índios a lutar pela posse da terra.

Ainda, menciona uma carta escrita por um indígena e advogado, enviada por e-mail no ano de 2014 para a presidência da República, para o Ministério Público Federal, para a Funai, para o Ministério da Justiça e para mais 42 destinatários, pregando a invasão de propriedades e a autodemarcação de suas terras. E, mesmo assim, tanto as autoridades, como o Ministério Público Federal, fiscal da lei, nada fizeram.

Em contrapartida, manifestações de produtores rurais contra a demarcação de reserva indígenas, sem obediência aos procedimentos legais, são taxadas como atos terroristas e seus participantes são lembrados de que podem responder por este crime e sujeitos a penas de 12 a 30 anos de prisão.

Ou seja, não há dúvida de que nos procedimentos demarcatórios de áreas indígenas tem-se usado dois pesos e duas medidas. Penalizam os proprietários, que adquiriram e pagaram ao governo Federal ou estadual pela aquisição de suas terras, e fecham os olhos para os ativistas e lideranças indígenas, quando agem ao arrepio da lei.

Um alento em toda esta situação foi a decisão proferida pela 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) no julgamento do recurso de apelação cível n.º 0006145-92.2010.4.01.3901/PA, no início deste mês, sobre o recurso de apelação interposto por dois proprietários de um imóvel rural contra uma sentença que lhes foi prejudicial.

Ao reverter a decisão, a 3ª Turma do TRF 1 afirmou que “o Estado tem o dever de demarcar as reservas indígenas, mas não de forma ilegal e sem pagamento, espoliando o direito de propriedade de terceiros”.

Esperemos que assim sejam decididas estas ações. O direito de propriedade não pode ser atropelado ao sabor de injunções políticas ou conjunturais. Tem que ser respeitado pela sua importância jurídica, social e reguladora de conflitos.O

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