Licenciamento ambiental e as alterações do Pl 3.729

Publicado por Ana Lacerda em

Ana Lacerda é Advogada atuante nas áreas de Direito Agrário e Ambiental na Advocacia Lacerda. Membro da comissão de Direito Agrário e da comissão de Direito Ambiental da OAB/MT

Licenciamento ambiental é o procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental autoriza a localização, instalação, ampliação e operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental.

Trata-se de ação típica e indelegável do Poder Executivo, que constitui importante instrumento de gestão do ambiente, na medida em que, por meio dele, a Administração Pública busca exercer o necessário controle sobre as atividades humanas que interferem nas condições ambientais, de forma a compatibilizar o desenvolvimento econômico com a preservação do equilíbrio ecológico.

À vista disso, verifica-se que esse instrumento está diretamente ligado à maioria dos empreendimentos implantados no país, e é justamente neste ponto que se constata a problemática instaurada, já que em decorrência das legislações esparsas vigentes somadas à morosidade dos órgãos ambientais competentes em atender as demandas, este se tornou um grande obstáculo ao desenvolvimento do país.

Inicialmente, cabe observar que o Licenciamento Ambiental não é regulamentado por nenhuma lei específica, e dessa forma, os órgãos ambientais passaram a definir normas por meio de portarias e decretos, o que sem sombra de dúvidas oferece enorme insegurança jurídica aos administrados, que impreterivelmente dependem da análise desse procedimento para poder explorar determinada atividade.

Outro problema também bastante recorrente em relação a esse instrumento é a morosidade no trâmite dos procedimentos dos licenciamentos nos órgãos ambientais competentes, que aguardam anos para serem analisados, o que geralmente é ocasionado, tanto pelo longo prazo previsto para a análise pelo órgão, quanto pela falta de infraestrutura da administração pública, o que contribui para o abarrotamento do Poder Judiciário, com requerimentos visando à obtenção de medida judicial, para obrigar a Administração a analisar os pedidos de licença dentro de um prazo razoável.

Outro ponto que também causa insegurança jurídica, principalmente para aqueles que pretendem desenvolver atividades ou empreendimentos em nosso país, é a falta de critérios para determinar a competência para licenciar, o que torna comum os conflitos de competência entre a União, Estados e Municípios.

Por essas e outras questões, muito se discute no Brasil sobre a efetividade do licenciamento ambiental como um instrumento preventivo do gerenciamento ambiental e, consequentemente, como instrumento capaz de evitar a degradação ambiental ou, ao menos, contribuir para sua mitigação.

Em razão desse quadro, muitos foram os projetos de lei propostos na tentativa de regularizar esse instrumento, que em sua maioria, pretendiam unificar o regulamento do Licenciamento, além de também apresentar medidas que visavam conceder maior celeridade na tramitação, e também outras inovações que proporcionassem maior segurança jurídica.

Dentre os inúmeros Projetos de Lei já propostos, o de nº 3.729/2004, que tramita há 15 anos na Câmara, já passou por diferentes comissões, foi arquivado, desarquivado e discutido em plenário em 16 oportunidades, o que impossibilita nesse momento afirmar com exatidão qual será a propositura final do Projeto que será levado para aprovação do Congresso Nacional, considerando que ele se encontra em fase de discussão, inclusive com a realização de diversas audiências públicas em vários Estados.

Entretanto, pela análise do relatório substitutivo, apresentado recentemente pelo deputado Kim Kataguiri (DEM-SP), verifica-se que, dentre outros vários pontos de inovação.

É possível destacar: a unificação das normas, com a promulgação de uma lei que harmonize a realidade da sociedade contemporânea, dando celeridade ao trâmite dos procedimentos de licenciamentos, equalizando o desenvolvimento econômico aliado à preservação do meio ambiente para as presentes e futuras gerações; a criação de novos tipos de licenças ambientais, que além de fundir algumas etapas do procedimento anterior, também estabelece prazos proporcionais de validade; a possibilidade de que o empreendedor solicite ao órgão licenciador a revisão das condicionantes ambientais impostas na licença, que poderá de forma motivada, readequar os parâmetros de execução; a criação de uma lista meramente exemplificativa de atividades isentas de licenciamento ambiental, como por exemplo, a atividade agropecuária; a possibilidade de aproveitamento da utilização do diagnóstico ambiental, em empreendimentos implantados na mesma área de influência de outros já licenciados; a publicidade de qualquer pedido de licenciamento, seja nos momentos de sua aprovação, rejeição ou renovação; a obrigatoriedade da realização de pelo menos uma audiência pública antes da emissão final da Licença Prévia; a alteração dos prazos administrativos máximos, para análise e emissão das licenças, além de muitas outras inovações.

Entretanto, pela análise detida do referido Projeto de Lei, embora se verifique a importância das urgentes alterações na legislação que rege o Licenciamento Ambiental, ainda é possível verificar imprecisão, confusão e ausência de regulamentação adequada de alguns procedimentos constantes da minuta do Projeto, fato que poderá gerar dificuldade na interpretação da mencionada proposta, e consequentemente, servir de margem para futuras discussões judiciais.

Por outro lado, o Projeto de Lei proposto, aparentemente atinge seu objetivo, no que diz respeito à criação de um marco regulatório inerente às questões do licenciamento ambiental, na tentativa de sanar a ausência de lei que historicamente transformou o procedimento em um reino de discricionariedade administrativa, embora ainda deixe a desejar em alguns aspectos, dando azo à continuidade da existência da insegurança jurídica, algo tão enraizado no ordenamento jurídico ambiental.

Cabe ainda lembrar que referidas omissões também poderão causar séria instabilidade jurídica ao ordenamento, se considerarmos o fato de que, mesmo após a edição de Lei Complementar, as Resoluções do Conama permanecerão vigentes, sendo aplicadas subsidiariamente ou concomitante pelos órgãos licenciadores.

Assim, apesar de o relator do Projeto, deputado Kim Kataguiri, afirmar que o objetivo da proposta é alcançar “um equilíbrio entre o setor produtivo e os ambientalistas, para que o licenciamento ambiental deixe de ser uma mera burocracia, um fator que atrapalha, para ser parte do planejamento estratégico do empreendimento e auxilie no desenvolvimento”, cabe relembrar que se trata de projeto ainda em tramitação, mas que já nos fornece elementos que permitem questionar se ele realmente teria condições de resolver o problema do Licenciamento Ambiental do país, acabando de vez com a morosidade e insegurança jurídica, sem deixar de conciliar o interesse público primário ao meio ambiente ecologicamente equilibrado com desenvolvimento econômico sustentável.

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