Navegar é preciso

Publicado por Ana Lacerda em

Ana Lacerda é Advogada atuante nas áreas de Direito Agrário e Ambiental na Advocacia Lacerda. Membro da comissão de Direito Agrário e da comissão de Direito Ambiental da OAB/MT

O Brasil é um país dotado de 42 mil quilômetros de rios potencialmente navegáveis, dos quais 19 mil são economicamente navegáveis. Em que pese todo esse potencial, as ações de quem pretende impedir que a navegabilidade se efetive são numerosas, sejam fruto de desconhecimento da pauta ou de interesses mal explicados de muitas partes envolvidas no processo, como certas ONGs e alguns que se denominam “ambientalistas”.

Enquanto não se investe nas hidrovias, seguimos reféns de um sistema caro e praticamente monopolizador do mercado: o transporte rodoviário de produtos. Não precisa muito para rememorar as condições a que a população brasileira foi submetida em decorrência da recente greve dos caminhoneiros. Em consonância com a pesquisa “Custos Logísticos no Brasil” atualizada em abril de 2018 pela Fundação Dom Cabral, rodovias foram a opção de quase 76% das empresas em 2017 para distribuição e escoamento de bens.

Não precisa muito para rememorar as condições a que a população brasileira foi submetida em decorrência da recente greve dos caminhoneiros.

Essa dependência poderia ser reduzida considerando a viabilização das hidrovias nacionais. Além da possibilidade de um mercado mais competitivo, são muitas as vantagens na escolha de um transporte fluvial. Fazer uso das vias fluviais garante mais rentabilidade de frete e aumenta a competitividade dos produtos brasileiros, uma vez que reduz custos e esse impacto acaba chegando a toda cadeia comercial, inclusive, no comprador final.

Dentre os muitos benefícios, o transporte hidroviário é muito mais seguro e mais barato; provoca redução do trânsito de caminhões em longas distâncias; diminui a emissão de poluentes; acarreta menos acidentes de trânsito e melhora a conservação das rodovias. Ademais, o uso de um rio está condicionado à qualidade ou condição física de suas águas. Ou seja, é do interesse dos próprios navegantes que o rio seja preservado, ao passo que ajuda a impulsionar o desenvolvimento nacional.

Como termos técnicos, é preciso ressaltar que hidrovias e rios não são sinônimos. Para que se tornem navegáveis, os rios e lagoas necessitam possibilitar o transporte de cargas, o que imprescinde da construção de uma série de estruturas para assegurar o devido uso dos recursos naturais, bem como a segurança dos navegantes e população ribeirinha. Precaução que não foi tomada quanto ao Rio Taquari, recente objeto de artigo nesta coluna.

Outros rios em Mato Grosso estão em processo de “taquarização”, por exemplo, o Cuiabá, o São Lourenço, o Piquiri, o Vermelho e o próprio Rio Paraguai. Cessar a navegação nesses rios, causa muito mais transtorno, perdas financeiras e malefícios ao meio-ambiente que investir na operacionalização das hidrovias.

Fato paralelo aos benefícios diretos que o uso de uma hidrovia pode ocasionar, figura a geração de empregos e a atração de investimentos. A Confederação Nacional dos Transportes (CNT) comparou diversos sistemas de transporte; as rodovias foram superiores em numerosos quesitos, especialmente, insta salientar, no volume de carga e no consumo de combustível. Segundo a Confederação: “um comboio de quatro barcaças é capaz de transportar carga equivalente a 2,9 composições férreas de aproximadamente 30 vagões cada, ou 172 carretas”.

O mesmo estudo apontou como principais impeditivos para que as hidrovias ganhem espaço no Brasil: a ausência de manutenção nas vias navegáveis, seguida de falta de investimentos no setor.

Em Mato Grosso, movimentação de cargas é liderada pela hidrovia do Tapajós, que atravessa o espaço entre Mato Grosso e Pará. Desde 2013, a via fluvial teve um crescimento exponencial. Até essa data, apenas granel líquido era transportado pelo Tapajós. O movimento de cargas aumentou de 70,1 mil toneladas em 2013, para 2,6 milhões de toneladas em 2016. No primeiro semestre de 2017, ela já registrou uma movimentação de 2,9 milhões de toneladas. Mesmo assim, esses números passam longe do que poderiam alcançar.

É preciso ainda, e, sobretudo, superar o discurso falacioso de que o desenvolvimento econômico traz prejuízos ao meio ambiente

A grande preocupação com a navegabilidade é a preservação do meio ambiente. Nesse contexto, vale lembrar que qualquer intervenção desse gênero deverá prestar esclarecimentos ao órgão de controle, esclarecendo a totalidade de procedimentos, garantindo que tudo ocorrerá de acordo com critérios estritamente técnicos e científicos, por meio de pareceres e análises elaborados pelos competentes para tanto.

É preciso ainda, e, sobretudo, superar o discurso falacioso de que o desenvolvimento econômico traz prejuízos ao meio ambiente, quando, muito pelo contrário, a compensação ambiental em áreas preservadas tem importante espaço como ferramenta de conservação dele.

Esse tipo de medida está previsto desde a promulgação do “Novo Código Florestal”, a Lei nº 12.651/2012, e tem sido uma opção de “ganha-ganha”, uma vez que mantem o equilíbrio entre as áreas que são patrimônio de todos e suportam o desenvolvimento que beneficia a todos.

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