A natureza jurídica da contribuição sindical rural após a reforma trabalhista

Publicado por Ana Lacerda em

por Rogério Oliveira Anderson.

Prevista já na redação original da CLT, em 1943, e com atual suporte normativo nos artigos 8º e 149, da Constituição, a Contribuição Sindical das categorias econômicas e profissionais foi, e continua sendo, objeto de debate ainda após a entrada em vigor da Lei Federal 13.467/2017, que instituiu, entre nós, a denominada “reforma trabalhista”. A razão é a nova redação dada aos artigos 545, 578, 579, 582, 583, 587 e 602, da CLT.

A partir do novel instrumento normativo um dos pilares do modelo trabalhista da era Vargas – CONTRIBUIÇÃO SINDICAL OBRIGATÓRIA – é superado o quê, segundo muitos, é positivo no sentido de se estimular a criação e manutenção de entidades sindicais profissionais e econômicas verdadeiramente representativas de suas respectivas categorias. O modelo agora em superação favorecia a criação de entidades sindicais voltadas tão somente para a busca desta fonte de receitas a partir da fragmentação das representações dos trabalhadores e dos empregadores, dentre outras distorções.

Segundo o estudo “Sindicatos no Brasil: o que esperar no futuro próximo”, do IPEA[i]:

Atualmente, há 16.491 organizações de representação de interesses econômicos e profissionais no Brasil, reconhecidas pelas autoridades do MTE. Seguindo os níveis hierárquicos da estrutura oficial, de baixo para cima, há 15.892 sindicatos, 549 federações, 43 confederações e 7 centrais sindicais, totalizando 16.491 organizações que representam empregadores (5.251) e trabalhadores (11.240).

Todas estas entidades, dos trabalhadores, dos empregadores, além das respectivas federações, confederações e centrais sindicais perderão, total ou parcialmente, já a partir do próximo exercício social (2018), receita certa e firme correspondente a cerca de R$ 3 bilhões de reais, segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego[ii], fato que tem provocado as esperadas reações das partes interessadas.

Independentemente das tentativas de modificação deste ponto da reforma trabalhista, é certo que o quadro legislativo atual estabelece a facultatividade do pagamento da referida contribuição que, segundo a atual jurisprudência do Supremo Tribunal Federal[iii], possui natureza tributária e que, por isso, submete-se, ou deveria submeter-se, ao assim denominado “estatuto do contribuinte”, ou seja, eventual “reinstituição” ou “majoração” do referido tributo deve (ria) observar as limitações constitucionais do Poder de Tributar (arts. 145 e s., da Carta).

Neste sentido, o seguinte precedente no qual a CNA era parte:

CONSTITUCIONAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONTRIBUIÇÃO SINDICAL RURAL. DECRETO-LEI 1.166/197. NATUREZA TRIBUTÁRIA. RECEPÇÃO PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL/88. PRECEDENTES. 1. Legitimidade da Contribuição Sindical Rural, instituída pelo Decreto-Lei 1.166/1971, porquanto recepcionada pela Constituição Federal de 1988. Precedentes. 2. Natureza tributária, daí a exigibilidade de todos os integrantes da categoria, independentemente de filiação à entidade sindical. 3. Agravo regimental improvido.

(RE 565365 AgR, Relator(a):  Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 08/02/2011, DJe-037 DIVULG 23-02-2011 PUBLIC 24-02-2011 EMENT VOL-02470-02 PP-00323)

Será interessante acompanhar a evolução do debate doutrinário e jurisprudencial acerca da natureza jurídica da Contribuição Sindical pois talvez tenhamos, doravante, no Brasil a esdrúxula figura do “tributo facultativo”, em evidente contradição com o próprio conceito previsto na primeira parte do caput do artigo 3.°, do Código Tributário Nacional, que estabelece ser tributo toda prestação pecuniária compulsória.

É uma jabuticaba? Poderia a lei ordinária modificar a definição do tributo para instituir, ao que parece, uma modalidade de isenção às avessas? Cuida-se de vedação ao lançamento tributário estabelecido por lei ordinária? As entidades sindicais poderiam ingressar em juízo para exigir o pagamento desta contribuição dos contribuintes e dos responsáveis tributários, por ofensa à reserva de lei complementar prevista no artigo 146, inciso III, alínea “b”, da Constituição? Tantum tempus narrabo.

No que pertine à Contribuição Sindical Rural, estabelecida pelo Decreto-Lei 1.166/71, e, como visto, recepcionada pela Constituição de 1988, é certo que sua cobrança submeter-se-á, salvo medida legislativa ou judicial em sentido contrário, doravante, ao novo regramento, ou seja, será preciso autorização prévia e expressa do produtor rural (física ou jurídica) para que o Sindicato Rural efetue a cobrança em conformidade com os parâmetros já estabelecidos quanto à base de cálculo e alíquota.

Em relação ao lançamento, e à dependência da manifestação de vontade do sujeito passivo quanto à possibilidade de cobrança, subsiste a dúvida já que entendo que a matéria ou deveria ser objeto de lei complementar, conforme acima, entendimento este que levaria à inevitável declaração de inconstitucionalidade da medida (por ofensa à reserva de lei complementar); ou se deve abandonar de vez o entendimento segundo o qual se trata de norma de natureza tributária o quê, por sua vez, para sua cobrança demandaria aprovação em assembléia do quantum, como manifestação coletiva da vontade dos filiados da categoria.

Neste ponto, a Contribuição Sindical, agora, se aproxima da contribuição assistencial, “taxa confederativa” e das mensalidades sindicais que exigem, do mesmo modo, a concordância do sujeito passivo para sua instituição e cobrança, conforme já definido pelo Supremo Tribunal Federal, em repercussão geral:

Recurso Extraordinário. Repercussão Geral. 2. Acordos e convenções coletivas de trabalho. Imposição de contribuições assistenciais compulsórias descontadas de empregados não filiados ao sindicato respectivo. Impossibilidade. Natureza não tributária da contribuição. Violação ao princípio da legalidade tributária. Precedentes. 3. Recurso extraordinário não provido. Reafirmação de jurisprudência da Corte.

(ARE 1018459 RG, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, julgado em 23/02/2017, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-046 DIVULG 09-03-2017 PUBLIC 10-03-2017 ) – sem grifos e subscritos no original

Tal constatação poderá levar à conclusão de que a Contribuição Sindical, apesar de prevista em lei, e na própria Constituição Federal, perdeu sua natureza jurídica de tributo, equiparando-se aos demais mecanismos de financiamento do sistema sindical brasileiro. Nesta hipótese a cobrança da exigência obedeceria ao teto estabelecido em lei (artigo 580 da CLT c/c artigo 4.°, do Decreto-Lei 1.166/71).

Outrossim, presumindo-se a constitucionalidade do novel regramento, é certo que a reforma trabalhista não institui cobrança apenas dos filiados da entidade sindical, mas, sim, exigiu autorização para a cobrança dos participantes da categoria econômica ou profissional, o que permite, por exemplo, que eventual não filiado contribua com o sindicato rural se assim o desejar.

Por outro lado, o produtor rural (pessoa física ou jurídica) deverá proceder ao desconto da contribuição dos empregados somente no caso de ser notificado pelo sindicato dos trabalhadores, e à vista das respectivas autorizações prévias e expressas (art. 579 da CLT).

Caso a entidade sindical dos trabalhadores ingresse em juízo para o fim de obrigar o produtor rural a proceder ao desconto e recolhimento da contribuição, na condição de “responsável tributário”, mesmo sem a existência das autorizações supra referidas, o que é possível, face às interpretações possíveis da reforma trabalhista no ponto, a medida mais recomendável é a consignação em pagamento prevista nos artigos 164 do Código Tributário Nacional c/c 335, incisos IV e V, do Código Civil. Se a exigência de pagamento vier da entidade patronal, os integrantes da categoria econômica poderão se socorrer da chamada ação declaratória de inexistência de relação jurídica, conforme estabelecem os artigos 19 e 20, do Código de Processo Civil.

Como se vê, a reforma trabalhista, no ponto da contribuição sindical, traz importantes desafios no campo da segurança jurídica. De um lado há o interesse das entidades sindicais em garantir a percepção da exigência (fonte primordial de receitas) mesmo após a reforma e é legítimo, e até esperado, que o busquem através do Poder Judiciário, caso suas tentativas no Legislativo ainda restem infrutíferas. Por outro, existe o interesse difuso dos empregados e empregadores de somente contribuir para as entidades nas quais hipotequem confiança, o que me parece correto.

Por evidente que o intuito do legislador não foi conflagrar as relações sindicais, mas, sim, prestigiar o associativismo mediante o estabelecimento do princípio da voluntariedade das contribuições para a manutenção do sistema sindical existente no país e em detrimento do modelo corporativo-fascista vigente desde 1943. Seja como for, é pena que o legislador tenha sido tão infeliz no desenho do novo marco legislativo que, como visto, ao invés de melhor as relações sindicais, introduz elemento de desconfiança seja dos empregados, seja dos empregadores, nas relações jurídicas no campo com suas entidades de classe.

Melhor seria ter simplesmente revogado o Decreto-Lei 1.166/71, e disposições congêneres da CLT, e deixado, de vez, a questão alusiva ao financiamento da atividade sindical (importante e fundamental para o País) à livre negociação entre as bases sindicais e suas entidades, estabelecendo-se um período de transição maior do que os 120 (cento e vinte) dias previstos no artigo 6.° da Lei 13.467/2017. Certamente a questão será judicializada, como tantas outras nesta reforma trabalhista permeada de incertezas.

Fonte: direitoagrario.com.br

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