Breves considerações em relação à CPR no Agronegócio

Publicado por Ana Lacerda em

por Lutero de Paiva Pereira.  

De algum tempo o agronegócio vem sendo movimentando com dois títulos de crédito que ganharam presença marcante no setor, a saber, a Cédula de Produto Rural (CPR) criada pela Lei 8929/89 e a Cédula de Produto Rural Financeira (CPRf), instituída pela Lei 10.200/2001.

A Cédula de Produto Rural é um título muito bom para o produto rural, pois através de sua emissão ele obtém recursos financeiros para realizar seus investimentos (plantio da safra), de forma mais rápida e sem a necessária intervenção do sistema financeiro. Afinal, através da Cédula o emitente vende produto rural e desta comercialização antecipada da safra se autofinancia. O mercado também se beneficia do título pois sua mecanicidade simplificou bastante os negócios de compra e venda de produto rural, antigamente feitos através de contratos de juridicidade muito mais truncada.

Uma crítica que deve ser feita no uso desse título pelo mercado é que muitas vezes ele tem sido empregado como um contrato de hedge de preço, como compra e venda de produto rural sem pagamento no ato do negócio ou até mesmo como permuta de produto rural por insumos agrícolas, o que se mostra totalmente contrário a sua natureza jurídica.

No exame do Projeto que deu origem à Lei em foco, o parecerista do Senado consignou que “A Cédula de Produto Rural é uma cambial pela qual o emitente vende antecipadamente a sua produção agropecuária, recebe o valor da venda no ato da formalização do negócio e se compromete a entregar o produto vendido em local e data estipulados no título.”

Como o objetivo principal da criação do título foi incrementar o setor produtivo primário, a venda de produto rural via Cédula de Produto Rural deve ser feita então, necessariamente, mediante pagamento à vista do comprador ao vendedor, fato que se materializa no ato de sua formalização.

Dentre as cláusulas específicas a constar da CPR merecem destaque as que tratam da data de entrega do produto (Art. 3º II), da que dispõe sobre a qualidade e a quantidade do produto a ser entregue (Art. 3º IV) e a que indica o local e condição da entrega (Art. 3º, V).

Vale destacar que a ausência de qualquer dos requisitos essenciais do título, prescritos pelo aludido art. 3º, pode macular o título de forma até mesmo irreversível.

Observando-se com atenção o Art. 1º da Lei em referência, é de se notar que somente produto rural pode ser alienado via Cédula de Produto Rural, já que o título foi criado exclusivamente para a venda e compra, e com pagamento à vista como acima observado, de produto que possa como tal ser adjetivado.

Produto rural deve ser entendido a coisa que o produtor rural produz, e não aquilo que ele compra para produzi-la.

Com esta vocação de somente admitir sua firmação para venda de produtos da espécie, a CPR apresentar-se-á como um título viciado, se indicar como objeto do negócio bem cuja natureza não permita sua inclusão na categoria produto rural.

Quis a Lei jungir a emissão da CPR somente à venda e compra de produto rural, posto ser esta a mercadoria que o produtor rural dispõe para, alienando-a, obter recursos necessários ao desenvolvimento de sua atividade.

Não se pode nunca perder de vista que o título é instrumento que foi criado para apoiar o desenvolvimento do setor primário, de modo que seu emprego deve ser sempre analisado sob este ângulo.

Materializando um contrato de compra e venda, o que é fato, o título se sujeita, subsidiariamente, e no que foi pertinente, aos preceitos do Código Civil, notadamente no regramento que traça para os negócios da espécie.

Desta forma, dispõe o Art. 491 do Codex, por exemplo, que o vendedor não é obrigado a entregar a coisa antes de receber o preço ajustado, a não ser nos casos de venda a crédito. Como na CPR a venda não é a crédito, mas sim, com pagamento no ato de firmação do título e, portanto, pagamento à vista, se o comprador não pagou de plano ao vendedor o preço ajustado, não terá preenchido umas das condições básicas do negócio, o que fatalmente irá comprometer eventual ação executiva intentada contra o emitente para entrega da coisa prometida. Se o emitente/vendedor em defesa judicial alegar que o pagamento do valor correspondente ao negócio não lhe foi feito, caberá ao credor/comprador o ônus da prova em sentido contrário, visto que somente ele poderá desincumbir-se deste encargo.

A CPR é um título eminentemente causal, e sem que a causa legalmente prevista para sua emissão esteja presente o título padece de força executiva.

Outro tanto, renegociações que tiveram por objeto novar CPR’s viciadas têm pouca estabilidade jurídica, visto que em muitos casos poder-se-á aplicar ao caso do o preceituado pelo Art. 367 do Código Civil, segundo qual não podem ser objeto de novação obrigações nulas ou extintas.

A CPR é sem dúvida alguma um excelente papel para o mundo do agronegócio, porém se o seu uso for desvirtuado as transações dela emergentes poderão sofrer duro questionamento judicial.

Oportunamente serão abordadas questões ligadas à CPRf, bem assim os cuidados a serem tomados pelo credor-endossatário da CPR.

Fonte: direitoagrario.com.br

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