Terra de alguém, terra rica

Publicado por Ana Lacerda em

Ana Lacerda é Advogada atuante nas áreas de Direito Agrário e Ambiental na Advocacia Lacerda. Membro da comissão de Direito Agrário e da comissão de Direito Ambiental da OAB/MT

Dono de um território extenso, origem de pujante desenvolvimento agropecuário, Mato Grosso envida esforços para regularizar a sua maior riqueza: a terra.

Por intermédio de um programa de cooperação técnica coordenado pela Casa Civil, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e o Instituto de Terras de Mato Grosso (Intermat), o Governo pretende implementar o “Terra a Limpo”, iniciativa com o objetivo de modernizar a gestão fundiária no Estado e contribuir para a regularização fundiária de glebas públicas e assentamentos estaduais e federais.

Além dos órgãos citados, compõem o rol de parceiros o Gabinete de Gestão Estratégica de Governo; as secretarias de Estado de Meio Ambiente (SEMA); Fazenda (SEFAZ); Planejamento e Gestão (SEPLAG); de Agricultura Familiar (SEAF); de Assistência Social e Cidadania (SETASC); Ciência, Tecnologia e Inovação (SECITECI); Desenvolvimento Econômico (SEDEC); Infraestrutura e Logística (SINFRA); Empresa Mato-Grossense de Tecnologia da Informação (MTI); e a Procuradoria Geral do Estado (PGE).
O programa “Terra a Limpo” foi instituído pelo Decreto nº 1.560, de 29 de junho de 2018, e pretende beneficiar famílias de agricultores de 87 municípios mato-grossenses. A ideia é que, por meio da resolução dos conflitos existentes, seja promovida a segurança jurídica pela posse da terra.

Para tanto, os investimentos são robustos. Com o intuito de fomentar o desenvolvimento e a regularização fundiária, está prevista a implementação de uma receita de R$ 72,9 milhões do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) em Mato Grosso. Ao todo serão beneficiados 165 glebas e 378 Assentamentos estaduais e federais.

É evidente que muitas famílias serão diretamente impactadas positivamente pela realização desse programa. Esse fato já justificaria, por si só, a necessidade e relevância da implementação das ações para a regularização fundiária, entretanto, deve-se ampliar o olhar e notar que os efeitos reverberam para muito além daqueles que receberão os títulos de suas terras e, por fim, terão paz: os resultados dessa dinâmica implicam inúmeras melhorias. Vejamos:

Ocupando terras regularizadas, as mais de 65 mil famílias poderão, finalmente, investir em benfeitorias na propriedade, garantidas pela segurança jurídica proporcionada pelo direito aplicado. Assim, ocorre também o fortalecimento da economia local, uma vez que certos de sua permanência na terra, as relações de consumo se tornam igualmente asseguradas para a região onde as famílias se estabelecem.

Outro fator que ecoa quando existe a regularização fundiária é o aperfeiçoamento da governança pública. Trata-se de um jogo em que todos ganham: as famílias, que passam a, de fato, serem donas de suas terras, e o Estado, que poderá fazer a gestão administrativa que lhe cabe e a fiscalização do local.

Vale lembrar também que essa cadeia de ações auxilia na preservação dos recursos naturais e na preservação ambiental, tendo em vista que cada proprietário legal será responsável também pelos cuidados e cumprimento das normas concernentes ao seu respectivo espaço. Passam a entrar em cena o fortalecimento na gestão ambiental; a inserção no cadastro ambiental; o combate ao desmatamento e queimadas ilegais; a utilização de técnicas de produção e manejo sustentável dos recursos naturais.

Com a certeza e a dignidade que uma terra regular pode proporcionar, até mesmo a desigualdade social, a falta de saneamento básico e o não acesso a outros serviços públicos passam a ser reduzidos.

Demais avanços importantes passam a ser mais próximos dessas famílias de pequenos produtores, como empregabilidade, acesso às linhas de crédito, herança, programas de assistência social e rural.

Hoje, o cenário fundiário de Mato Grosso possui um diagnóstico desanimador. A falta de atualização dos dados sobre as propriedades e seus ocupantes gera conflitos, litígios agrários e fundiários, sobreposição de títulos, morte, dor, pobreza… daí decorre a urgência das ações para a regularização.

Nos planos do programa está prevista a preservação do acervo documental do Instituto de Terras de Mato Grosso (INTERMAT); renovação da infraestrutura física e de tecnologia da informação (TI) do Instituto; inserção dos dados e mapas dos títulos já existentes no acervo do órgão no atual sistema estadual de gestão fundiária; georreferenciamento geodésico de imóveis rurais e glebas; identificação e levantamento socioeconômico dos ocupantes; inserção dos dados dos ocupantes e do georreferenciamento dos imóveis nos sistemas com sobreposições e conflitos identificados; realização de oficinas de mediação e resolução de conflitos e capacitação de servidores públicos em regularização fundiária.

Não bastassem todas as razões expostas, é preciso destacar também que, consoante levantamento feito por pesquisa do Governo Federal, a produção obtida unicamente pela agricultura familiar nacional já manteria o Brasil no Top 10 mundial do agronegócio, ladeado com os maiores produtores de alimento. A pesquisa acrescenta que ao somar essa produção com a dos grandes produtores, o Brasil salta da oitava para a quinta posição.

Insisto: uma terra regular é sinônimo de dignidade, de desenvolvimento social e de preservação ambiental. Os benefícios atingem quem ocupa a terra, quem integra a cadeia de produção e a de consumo, ou seja, a todos nós interessa que a terra tenha dono e que seja próspera.

Fonte: www.rdnews.com.br

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