MP 881 e liberdade econômica

Publicado por Ana Lacerda em

Ana Lacerda é Advogada atuante nas áreas de Direito Agrário e Ambiental na Advocacia Lacerda. Membro da comissão de Direito Agrário e da comissão de Direito Ambiental da OAB/MT

Publicada em 30 de abril de 2019, a Medida Provisória 881/2019 institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, ostentando como objetivos principais recuperar a economia, garantir investimentos em educação e tecnologia, possibilitar a desestatização e solucionar questões concretas de segurança jurídica.

Dentre outros aspectos, conforme previsão contida no corpo do texto, referida medida provisória libera pessoas físicas e empresas para desenvolver negócios considerados de baixo risco. Assim, Estados, Municípios e Distrito Federal deverão definir quais atividades econômicas poderão contar com a dispensa total de atos de liberação como licenças, autorizações, inscrições, registros ou alvarás.

Em outras palavras, a MP 881/2019 reforça o Princípio Constitucional da Liberdade Econômica e Individual no tocante às relações negociais e mercantis do país, trazendo uma série de avanços no sentido de desburocratizar a gestão pública, e promover o desenvolvimento econômico por meio de fomento das atividades empresariais.

Apesar de a referida MP ter trazido muitas e relevantes alterações legislativas em diversas áreas do direito, voltarei a atenção especificamente às sensíveis mudanças trazidas no regramento dos contratos agrários (arrendamento e parceria), já que uma inclusão posterior ocorrida no texto original causou muita polêmica no mundo do agronegócio, ao incluir o parágrafo 10 no artigo 92 do Estatuto da Terra, que propõe a seguinte redação:

Art. 92. A posse ou uso temporário da terra serão exercidos em virtude de contrato expresso ou tácito, estabelecido entre o proprietário e os que nela exercem atividade agrícola ou pecuária, sob forma de arrendamento rural, de parceria agrícola, pecuária, agroindustrial e extrativa, nos termos desta Lei.

(…)

10. Prevalece a autonomia privada nos contratos agrários, exceto quando uma das partes se enquadre no conceito de agricultor familiar e empreendedor familiar rural, conforme previsto o art. 3º da Lei 11.326, de 24 de julho de 2006.

Como é sabido, os contratos agrários são regidos por vários princípios contratuais gerais, como por exemplo, o da Autonomia Privada, o da Função Social do Contrato e o da Boa-Fé Objetiva, além de várias regras especializadas, com a finalidade de resguardar os objetivos da Lei Agrária, que são a lealdade, boa-fé e a probidade contratual, visando manter o equilíbrio das relações contratuais e proteger as partes envolvidas.

É justamente nesse ponto que a alteração proposta pela MP 881/2019 causa preocupação ao setor rural, vez que essa liberdade contratual apesar de conceder mais autonomia aos contratantes, para que estes possam transacionar livremente de acordo com suas vontades, pode gerar mais insegurança jurídica a eles, por não trazer de forma específica o alcance e abrangência da referida liberdade negocial.

Em que pese a legislação dos contratos agrários necessitar de atualização no sentido de modernizar seu conteúdo, abrangendo soluções práticas tão reivindicadas pelos produtores, como a possibilidade de fixação do preço em produto, a flexibilização dos prazos mínimos, bem como a eliminação de formalidades como a necessária notificação premonitória para o exercício do direito de retomada, verifica-se que tais alterações nas disposições do Estatuto da Terra dependeriam da criação de Lei específica, indicando claramente quais são os direitos e deveres dos contratantes, a fim de evitar incertezas e retrocessos legais, possibilitando também, a prévia discussão entre a comunidade jurídica especializada e demais destinatários da norma.

Dessa forma, é inegável que o dispositivo proposto oferece muitas incertezas ao setor, gerando grave insegurança jurídica, e consequentemente, possíveis conflitos entre proprietários rurais e parceiros-outorgados, vez que, embora pretenda inserir o § 10 no art. 92 do Estatuto da Terra, não afastou as demais disposições constantes nos artigos 92 a 96 do referido dispositivo, que disciplinam outros aspectos contratuais que limitam e condicionam os contratos, como a fixação do preço, os prazos mínimos, o exercício de preferência, a forma de retomada dos imóveis agrários, a relação dos direitos e garantias dos arrendatários e parceiros-outorgados, a renovação automática contratual, dentre outras.

Assim, embora a MP 881/2019 ainda tenha que encerrar sua tramitação sob pena de perda da validade, com a votação pelas duas Casas do Congresso até o dia 10 de setembro, por hora, nos cabe aguardar sua tramitação total, na torcida de que tais modificações acendam debates sobre as necessárias modificações na legislação agrária.

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