Pagamento por serviços ambientais

Publicado por Ana Lacerda em

Ana Lacerda é Advogada atuante nas áreas de Direito Agrário e Ambiental na Advocacia Lacerda. Membro da comissão de Direito Agrário e da comissão de Direito Ambiental da OAB/MT

Nas últimas décadas, temos evidenciado uma crescente preocupação com as consequências trazidas pelo uso indiscriminado dos recursos naturais disponíveis. Os desafios relacionados à preservação ambiental são diversos, e envolvem temas complexos como saneamento, poluição, mudanças climáticas, aquecimento global, escassez, contaminação das águas e desenvolvimento sustentável.

É justamente diante dessa preocupação que o homem vêm despertando para a importância da consciência ecológica e preservação do meio ambiente em todos os seus ecossistemas (terrestre, aquático e atmosférico), com a adoção de medidas que visam, principalmente, uma mudança no modo de consumir e produzir, buscando elevar os níveis de qualidade de vida, além de garantir a sobrevivência das presentes e futuras gerações.

Nada mais justo que remunerar aqueles que optam ou são obrigados pelas exigências legais a realizar essa preservação ambiental em prol da coletividade

Dentre os diversos mecanismos criados para incentivar a preservação dos recursos naturais,  é possível destacar o Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), que surge como um instrumento de incentivo à conservação ambiental por meio de compensação de estímulos, financeiros ou não, a quem promover serviços ambientais, quer pela manutenção de Reserva Particular de Patrimônio Natural – RPPN, Reserva Legal ou Áreas de Preservação Permanente.

Seu principal fundamento é incentivar e fomentar a preservação do meio ambiente, mediante a criação de formas inovadoras de arrecadação, que respeitem as normas constitucionais impostas, e que permitam a remuneração daquele que proteger determinado recurso natural, por intermédio da restrição do uso da propriedade particular, vez que o indivíduo não responde pelo coletivo e vice-versa. Esse conceito visa também despertar a consciência dos serviços prestados pelas florestas, como a melhoria da qualidade da água, do ar, do solo, preservação da biodiversidade, dos recursos genéticos e princípios ativos usados para salvar vidas.

Nesse ínterim, também tem-se debatido projetos que preveem a compensação pela preservação ambiental que o produtor realiza ao manter em sua propriedade os percentuais de manutenção de vegetação nativa em pé. Estudos da Embrapa demonstram que dos 66% de vegetação nativa existentes no Brasil, uma fatia de 20% é exclusivamente resguardada pelos produtores rurais que, até o presente momento, apenas arcam com ônus dessa manutenção e não recebem justa indenização pela restrição de uso do imóvel, conforme previsto na Constituição Federal.

Vale lembra que nenhum outro país do mundo tem previsto em sua legislação a obrigatoriedade de resguardar as áreas de preservação permanente e de reserva legal. Portanto, nada mais justo que remunerar aqueles que optam ou são “obrigados” pelas exigências legais a realizar essa preservação ambiental em prol da coletividade, vez que nos termos da nossa Carta Magna, o indivíduo (proprietário) não responde pelo coletivo (sociedade) e vice-versa.

Muito embora sejam inquestionáveis os benefícios a serem proporcionados com a regulamentação do Pagamento por Serviços Ambientais – PSA, acredita-se que alguns pontos ainda devem ser mais bem analisados. Será necessário a criação de mecanismos que transformem a preservação dessas áreas em algo financeiramente mais atrativo que o desmatamento evitado, sem, é claro, frear o desenvolvimento econômico do país, que depende essencialmente dos recursos naturais extraídos do meio ambiente, vez que um dos setores mais importantes da economia é o da geração de alimentos para humanidade.

Outrossim, apesar de atualmente se compreender melhor os conflitos existentes entre o direito de propriedade, suas funções sociais e ambientais, não parece razoável e justo, o fato de o proprietário rural ter restrição de uso imposta sobre sua propriedade para manutenção de reserva legal obrigatória e área de preservação permanente, e nada receber por essa restrição.  A manutenção das áreas de reserva legal e preservação permanente, mesmo nos percentuais exigidos por lei, já deve ser reconhecida como prestação de serviço ambiental e obrigatoriamente precisa de remuneração ao proprietário rural.

Nesses casos, como se trata de restrição de uso de propriedade particular sob a ótica de que o meio ambiente é um bem de uso comum do povo, não há que se falar em  justiça, se apenas alguns tiverem seus direitos restritos em detrimento da coletividade, pois estaremos “ferindo” o princípio da igualdade e o Pacto Federativo. Haverá justiça sim, se toda a coletividade começar a pagar por essa exigência de preservação ambiental que querem impor aos proprietários rurais e que, ambientalmente falando, “supostamente” a todos beneficia. Fazer cortesia com o chapéu alheio é muito fácil.

Outro  ponto nevrálgico para implantação e regulamentação do Pagamento por Serviço Ambiental – PSA e que também merece atenção, diz respeito à forma de arrecadação e captação de recursos para a remuneração da conservação ambiental. Há  a necessidade de criação de mecanismos eficientes de arrecadação pelo Estado para que o país possa sair da dependência de decisão internacional. Faz-se necessário o Brasil exercer sua soberania ambiental e exigir prestação de contas pelo Ministério da Justiça de todas as organizações do Terceiro Setor (ONGs) que recebem dinheiro público ou externo no País.

cada vez mais o Brasil tem se preocupado com temas ligados direta ou indiretamente ao agronegócio, embora alguns ajustes ainda devam ocorrer nas etapas seguintes dos debates sobre o tema

Enquanto se discute a edição de leis, projetos, medidas e fundos com o objetivo de fomentar a arrecadação de recursos para o pagamento por serviços ambientais, além da possibilidade de inclusão de outras modalidades possíveis de pagamento, como a comercialização de créditos de carbono, ICMS ecológico, imposto de renda ecológico,  isenção de impostos e outros, o principal desafio da atualidade é a efetiva aprovação de medidas que obriguem a humanidade, que tanto clama pela preservação do meio ambiente,  a reconhecer e pagar àqueles que efetivamente prestam serviços ambientais à humanidade, que são  os proprietários rurais.

Nos dias atuais, esses proprietários estão sendo criminalizados pela ideologia ambientalista e indigenista impregnada no Estado e na sociedade, que desconhece a ciência ambiental e que presta serviços contra o desenvolvimento do Brasil. Essa ideologia, nada possui em relação à defesa do meio ambiente e dos índios. Na realidade, esses supostos “defensores” utilizam essas figuras como inocentes úteis, e arrecadam  alguns milhões em suas contas correntes, enquanto os índios e os proprietários rurais em nada são beneficiados.

Como em todo instrumento normativo recente, é normal o surgimento de muitos questionamentos, dúvidas e incertezas sobre a viabilidade prática do que se pretende, mas não podemos deixar de lembrar que o instituto do Pagamento por Serviços Ambientais é mais uma inovação ligada ao meio ambiente, elemento que demonstra que cada vez mais o Brasil tem se preocupado com temas ligados direta ou indiretamente ao agronegócio, embora alguns ajustes ainda devam ocorrer nas etapas seguintes dos debates sobre o tema.

Publicado no RD News

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