STF reconhece repercussão geral em processo sobre posse de terras ocupadas tradicionalmente por indígenas

Publicado por Ana Lacerda em

Para relator, ministro Edson Fachin, tutela constitucional dos direitos das comunidades indígenas à posse e usufruto das terras “não se encontra resolvida ou ao menos serenada”.

 

O plenário virtual do STF reconheceu, de forma unânime, existência de repercussão geral no RE 1.017.365, que discute posse de áreas tradicionalmente ocupadas por indígenas.

O recurso foi interposto pela Funai – Fundação Nacional do Índio contra acórdão do TRF da 4ª região, que confirmou sentença de 1º grau e julgou pela procedente ação de reintegração de posse ajuizada pela Fundação de Amparo Tecnológico ao Meio Ambiente – Fatma. O caso trata de área declarada administrativamente como de ocupação tradicional dos índios Xokleng, em reserva biológica no Estado de SC.

Na origem, o juízo considerou que houve tumulto no exercício da posse da área da reserva pela presença da reserva biológica pela presença dos índios na região, e ressaltou, na sentença, que não há elementos que permitam inferir que as terras sejam tradicionalmente ocupadas pelos índios, ao observar que quem ocupa a área, para fins de preservação ambiental, é a parte autora (Fatma).

No RE, a Funai alega que a decisão, que foi mantida pelo TRF, ofende o artigo 5º (incisos XXXV, LIV e LV) e o artigo 231 – sobre o reconhecimento da posse e usufruto de terras tradicionalmente ocupadas pelos índios – da CF/88. A fundação sustenta que a área em questão já foi reconhecida como de tradicional ocupação indígena, tendo sido afastada a interpretação do artigo 231 da CF/88 pelo TRF da 4ª região, privilegiando o direito de posse daquele que consta como proprietário no registro de imóveis em detrimento do direito originário dos índios.

Para a Funai, o caso trata de direito imprescritível da comunidade indígena, cujas terras são inalienáveis e indisponíveis. A fundação salienta, ainda, não ser cabível a compreensão de que os direitos indígenas ao usufruto das terras, “ou quaisquer outros que a Constituição lhes confira, decorram da demarcação administrativa da área, pois os títulos de domínio referentes às terras de ocupação dos índios são inoponíveis a eles”.

Repercussão geral

O relator do RE, ministro Edson Fachin, considerou preenchido o requisito da repercussão geral da matéria em razão da relevância jurídica da questão. Para ele, há flagrante risco da criação de precedentes “que fomentem situação de absoluta instabilidade e vulnerabilidade dos atos administrativos editados com âmbito nacional”.

Segundo o ministro, a questão indígena “não se encontra resolvida ou ao menos serenada”, sendo necessário que a Corte analise a efetiva tutela constitucional dos direitos das comunidades indígenas à posse e usufruto das terras tradicionalmente ocupadas.

Ainda de acordo com Fachin, não estão pacificadas pela sociedade, nem mesmo pelo Poder Judiciário, questões como o acolhimento pelo texto constitucional da teoria do fato indígena, os elementos necessários à caracterização do esbulho possessório das terras indígenas, a conjugação de interesses sociais, comunitários e ambientais, a configuração dos poderes possessórios aos índios e sua relação com procedimento administrativo de demarcação, “apesar do esforço hercúleo da Corte na PET 3.388 [Raposa Serra do Sol]”.

O ministro também destacou que está aberta a oportunidade para ampla participação de todos os setores interessados no deslinde de demandas como esta, com a possibilidade de intervenção na qualidade de amigos da Corte (amici curiae) e de eventual realização de audiência pública, nos termos legais.

Processo: RE 1.017.365
Reprodução: Migalhas

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