Se essa rua fosse minha…

Publicado por Ana Lacerda em

Ana Lacerda é advogada especialista em Direito Agrário e Ambiental

Dando sequência às reflexões da semana passada e ainda pensando sobre o valor de uma terra regulamentada, quanto mais Mato Grosso, já popularmente conhecido como celeiro do Brasil, é imprescindível falar sobre as ações possessórias e como elas deverão ocorrer em conformidade com as alterações no Código de Processo Civil (CPC).

Antes de qualquer coisa, vale esclarecer, de modo simples, que as ações possessórias são aquelas cujo objetivo é assegurar a posse de uma propriedade, independentemente de qual direito tenha concedido a posse. Esse tipo de ação está prevista no Novo CPC e comporta três tipos: reintegração de posse, manutenção de posse e interdito proibitório.

De modo mais detalhado, porém breve, a ação possessória de reintegração de posse ocorre quando há perda dessa por motivos de violência, clandestinidade ou precariedade; a tal prática denomina-se esbulho.

O segundo tipo de ação possessória é a manutenção de posse, ela cabe quando o possuidor de direito fica impedido exercer sua posse tranquilamente e precisa de defesa quanto à turbação. E, por fim, tem-se ainda o interdito proibitório, que é uma ação devida quando há a ameaça ao direito de posse, antes mesmo de a violação se concretizar.

É comum circular no discurso social que a posse é uma situação de fato, garantida pela lei, referente aos direitos de propriedade consolidados desde a época do direito romano. Ou seja, a posse funciona como um fato e um direito.

Considera-se a posse como fato, quando pensada propriamente, em um sentido mais amplo, e como um direito levando em conta os efeitos que pode gerar, como as ações mencionadas. Sob esse viés, insta salientar que a posse é critério sine qua non para a impetração das ações possessórias.

É preciso ainda lembrar que quem exerce a posse em nome alheio é mero detentor e não possuidor. O que nos remete aos comentários aqui realizados na semana anterior no que concerne à necessidade de regulamentar a terra para evitar fraudes e demais transtornos. É pela posse que se pode utilizar a terra, retirando-se dela os frutos que dela forem provenientes.

A Lei 13.105/2015, que alterou o CPC, não trouxe inovações muito impactantes nesse sentido. No novo Código, as ações possessórias são regulamentadas pelos artigos 554 e seguintes. Embora não modifique muitos itens já previstos no antigo CPC, a nova normativa soma alguns dispositivos regendo, em especial, a legitimidade coletiva e a possibilidade de mediação em conflitos derivados da posse de bens.

Nessa hipótese, o oficial de justiça deverá buscar os ocupantes no local por uma vez e aqueles que não forem identificados serão citados por edital. No caso de não serem encontradas as partes, o magistrado deverá assegurar ampla publicidade sobre a existência da ação e dos respectivos prazos processuais, para isso poderá utilizar anúncios em jornais ou rádios locais, publicação de cartazes na região dos conflitos e de outros meios de órgãos responsáveis pelas políticas agrária e urbana de cada ente federativo.

Existe também a garantia constitucional da celeridade desse tipo de ação, em consonância ao disposto no art. 5º, LXXVIII. Além disso, o Novo CPC preconiza um procedimento diferenciado e adaptado para litígios em que estejam envolvidos de movimentos sociais, como é frequente em ações que envolvam a posse de terras. Nesses casos, ainda, é devida a atuação do Ministério Público (art. 178, III, NCPC) e da Defensoria, pela necessidade de amparo legal e proteção do hipossuficiente.

A exemplo desse fato, existe a expressiva atuação da Vara Especializada de Direito Agrário de Mato Grosso, que vem trabalhando ativamente nos conflitos fundiários em ações como as citadas neste artigo, inclusive realizando inspeções judiciais nas áreas em litígio com participação pessoal da Juíza competente e do Ministério Público, e, que com frequência, lança mão dos procedimentos de resolução de conflitos previstos na mediação, conforme orienta o novo CPC, com intuito de pôr fim aos litígios agrários, que geralmente são de longuíssimos prazos.

Outro fator importante diz respeito ao tempo de posse: a posse pode ser nova ou velha. Caracteriza-se a posse nova por um lapso temporal menor de um ano e um dia e a posse velha por um lapso temporal maior que um ano e um dia.

Nas conjunturas de posse velha não há possibilidade da concessão da tutela antecipada. Assim, a diferença entre posse nova e posse velha reside no período estipulado para reivindicar os direitos da posse, bem como resultará nos procedimentos a serem adotados em cada situação.

É preciso refletir que embora o Direito se configure em uma ciência emparelhada ao mundo do comportamento humano, a qual objetiva a paz, a ordem social e o bem comum, por intermédio de seus mecanismos legais; é a sociedade a responsável pela concretização e instrumentalização desses conceitos e valores.

Não basta que as condições estejam previstas no papel, ou que seja um direito, interesse juridicamente tutelado, a intervenção do Poder Judiciário ocorrerá em prol daqueles que já se organizaram, garantindo a devida regulamentação de suas posses.


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