E do Pantanal, quem cuida?
Está se tornando comum o discurso que criminaliza o pantaneiro. Existe uma franca e desesperada tentativa de culpar o maior cuidador do Pantanal por crimes que se quer foram cometidos, uma vez que, como já comentado, o Pantanal é o bioma mais bem preservado do planeta.
O homem pantaneiro vive e ama essa terra. É retratado como figura simples, dotado até mesmo de certo romance literário. Quando se pensa em homem pantaneiro, imediatamente a imagem se atrela a um pôr-do-sol, a uma viola e à subsistência simples e proveniente do ambiente rico que circunda esse povo.
O bioma, por necessidade primária e elementar, até mesmo para permanecer sustentável e fonte de sustento, deve ser preservado pelos próprios habitantes, como o é.
É preciso considerar que os geralmente apontados como fatores negativos para a preservação do Pantanal são baseados em senso comum com uma pitada de má-fé, que, evidentemente, atende aos interesses de alguns.
O cultivo da cana-de-açúcar, no Estado, por exemplo, possui registros de início datados no ano de 1735. O marco de construção da Usina Itaici, maior estabelecimento açucareiro de Mato Grosso, situado em Santo Antônio de Leverger, data da década de 1890.
A atividade canavieira, que sempre ocupou uma posição de destaque em Mato Grosso, consiste em um investimento próspero e lucrativo ainda nos dias contemporâneos e estabeleceu-se em harmonia com a natureza da região. Prova inconteste é a preservação atual do Pantanal, que merece ser retomada aqui.
Posteriores à usina de Itaici, vieram muitas outras, dentre elas, destacam-se: Usinas Conceição, Ressaca, Maravilha, Tamandaré, Aricá, Santana, Flechas, todas as margens do rio Cuiabá, ou de seus respectivos afluentes. Algumas dessas usinas encontram-se com as atividades encerradas, entretanto, vale destacar que não causaram dano algum ao Pantanal.
Outrossim, trouxeram renda, modernização, mantiveram a preservação e ainda servem de pontos de interesse turísticos, implementando a economia do de Mato Grosso mesmo nos dias atuais.
O site do Sindalcool informa ainda que “em 1982, com base no Proálcool, começaram a serem implantadas novas usinas em Mato Grosso, começando pela Barralcool em Barra do Bugres (a 160 km de Cuiabá) e, em seguida, Itamarati, em Nova Olímpia (40 km à frente), que, durante muitos anos, foi a maior usina do mundo, com capacidade de moagem de 7,4 milhões de toneladas de cana-de-açúcar […]”
O gado, do qual tudo se aproveita, protagonista das indústrias de charque em Mato Grosso, também vem sendo alvo de ataques infundados, que, mais uma vez, tentam criminalizar o homem pantaneiro por uma conduta prejudicial ao Pantanal, cuja conduta, ele nunca teve.
Essa planície colossal que existe no Pantanal é palco, há muito tempo, de uma bem sucedida atividade pecuarista que muito contribui para o Estado e coexiste totalmente integrada e harmonicamente com o bioma.
O homem sertanejo, pantaneiro, vaqueiro e tropeiro é perito no assunto e sabe, como ninguém, cuidar de sua lida, como vem fazendo ao longo de muitos anos, pelo bem de seu sustento pessoal, bem como pela permanência do meio que lhe alimenta. O pantaneiro, é o principal sujeito que deseja e concretiza uma relação de respeito e consideração com o meio ambiente em que vive.
A título de ilustração, tem-se a Fazenda Jacobina, que foi, durante anos, importante produtora de açúcar e charque. Trata-se de uma área rural, situada às margens do Rio Paraguai, em Cáceres. O lugar produziu, nas décadas de 1760-1770, o suficiente para abastecer São Paulo, Rio de Janeiro e alguns países europeus.
Encerrou suas atividades por contar, em grande parte, com mão-de-obra escrava. Hoje é considerada patrimônio da história do Brasil e vincula-se à atividade turística, não só pela importância econômica que teve, mas também por ter servido de palco para alguns episódios proeminentes da revolta nacional Sabinada. O historiador Natalino Ferreira Mendes, chegou a afirmar que Jacobina é a célula-mater de Cáceres, dada a sua significância memorável.
A fazenda Descalvados é outro exemplo da convivência de sucesso da atividade pecuarista com a natureza pantaneira. A fazenda produzia, com a finalidade de exportar à Europa, extrato de carne e carne enlatada, além do charque para consumo interno, com um avantajado volume de abate.
Mesmo assim, ainda hoje é possível visitar o local, como atrativo turístico que proporciona a contemplação de fauna e flora selvagens, famosa por ser a área com maior concentração de onças pintadas nas Américas. Não há que se dizer que o homem pantaneiro devasta sua terra em busca de riquezas, pelo contrário, a terra é, para ele, a maior e mais importante riqueza.
Ademais, tem-se ainda a Fazenda Ressaca, que, possivelmente, segundo Leila Castro da Silva, da Unemat, recebeu esse nome em decorrência do “encontro das águas e ao efeito da aguardente, que também era produzida na fazenda”, e que também possui representatividade no rol de propriedades que investiram na agroindústria e/ou pecuária na região pantaneira e não a poluíram ou degradaram de modo algum, bem como continuam provendo recursos às pessoas que lá vivem.
São numerosos, variados e importantes os exemplos que comprovam, com abundância de referências, que o Pantanal vem sendo explorado de modo sustentável pelos seus habitantes. Todavia, é importante mencionar que uma terra tão rica, com potenciais tão amplamente diversos, desperta toda sorte de interesses, e até mesmo aqueles que parecem querer proteger essa terra, demonstram, na melhor das hipóteses desconhecimento de como as coisas “fluem” por lá.
Embora o homem pantaneiro tenha demonstrado a natural habilidade de manejar sua terra no decorrer de todo esse tempo; Ongs insistem em adentrar a região com projetos mirabolantes, que pouco ou nada, realmente agregam àquela gente nativa; mas que vem sendo financiados por grandes empresas, inclusive internacionais e trazem consigo objetivos obscuros, que devem fundamentar um alerta ao povo pantaneiro.
De outro norte, toda essa volumosa aplicação de valores ainda não foi verificada pela gente ribeirinha. Não parece existir investimento palpável ou comprovável pela perspectiva do homem pantaneiro. Pairam supra discussões, formuladas por terceiros desconhecidos que objetificam e quantificam o incalculável: a vida!
É preciso uma mobilização social lúcida, arraigada no conhecimento fundamentado, em detrimento de discursos prontos. É imprescindível que o Pantanal continue se desenvolvendo com responsabilidade socioambiental e em prol daqueles que lá vivem.
Pois, além de representar a maior área úmida do planeta, reconhecida pela Unesco como Patrimônio Natural da Humanidade e Reserva da Biosfera, o Pantanal é terra de gente, terra cheia de história e de identidade. E, em que pese a casa ser simples, é preciso pedir ao dono licença para entrar!
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