Decisão inadequada
Assim pode ser definida a aprovação, nos últimos dias de 2017, do projeto de lei n.º 87/2016, pela Assembleia Legislativa de São Paulo, instituindo a “Segunda Sem Carne”. Com exceção de unidades de saúde e hospitais públicos, os estabelecimentos que fornecem refeições a órgãos públicos do Estado, como escolas da rede pública (leia-se merenda escolar), penitenciárias e os restaurantes populares que atendem pessoas de baixa renda, estão proibidos de fornecer alimentos com carne e derivados às segundas-feiras. A Lei exige, ainda, que se tenha um cardápio vegetariano para os demais dias da semana.
O descumprimento à mencionada lei pode gerar uma multa de 300 unidades fiscais do Estado de São Paulo, o que hoje corresponde a aproximadamente R$ 7.710 (sete mil setecentos e dez reais).
Inadequada, porque não apenas fere um dos pilares do capitalismo (resumido na expressão francesa “laissez faire, laissez aller, laisser passer”, cuja tradução literal é “deixai fazer, deixai ir, deixai passar”), como o princípio do livre arbítrio. Escolher o alimento é uma liberdade individual e a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) já define o que não pode ser ingerido.
Além disso, como bem definiram as associações brasileiras de Proteína Animal (ABPA), das Indústrias Exportadoras de Carne (ABPA) e Associação dos Criadores de Mato Grosso (Acrimat), entre outras, “a aprovação do projeto atropela a Constituição e os direitos dos cidadãos residentes no Estado de São Paulo” (Abiec).
“Numa democracia, não cabe ao Estado ditar o que o cidadão deve consumir, nem interferir na ordem legal da economia por meio de artificialidades nas leis de mercado” (Abiec). “Proibir a venda (de carne) fere e ordem econômica e configura interferência na liberdade de consumo”, completa a Acrimat.
Ainda bem que a vigência desta lei depende da sanção do governador paulista, Geraldo Alckmin, cujo bom senso impedirá sua promulgação. Segundo a Associação Nacional de Pecuária Intensiva (Assocon), foi uma decisão “tomada às pressas, a toque de caixa, sem um profundo, detalhado e necessário debate com a sociedade”.
A entidade contesta ainda o argumento do autor da proposta, deputado Feliciano Filho, de que o objetivo da lei é chamar a atenção para os efeitos do consumo da carne sobre o meio ambiente e a biodiversidade. “É surpreendente a falta de conhecimento dos deputados paulistas sobre alimentação das pessoas e sobre o importante sequestro de carbono feito pela intensificação das pastagens, como atestam vários trabalhos da Embrapa”, diz em nota, divulgada na sexta, penúltimo dia de 2017.
“Não podemos ser orientados por ativistas e modismos alimentares”
Outra alegação do autor da proposta, da relação do consumo de carne com as doenças do coração, câncer e diabetes, foi rebatida pela Acrimat, também em nota oficial divulgada pela imprensa, um dia antes, na quinta-feira, ao lembrar que a carne bovina é um dos principais elementos da dieta humana e com benefícios cientificamente comprovados, ressaltando que a pecuária de corte é um dos principais setores da economia brasileira.
Maior rebanho bovino desfrutável do mundo, com 226,03 milhões de cabeças (a Índia possui 303,3 milhões, mas lá o boi é sagrado), o Brasil depende muito deste setor, que gera 7 milhões de emprego e é o maior PIB entre as cinco cadeias produtivas do agronegócio, acompanhadas pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Esalq-USP, em parceria com a Confederação
Nacional da Agricultura (CNA). Em 2015, os segmentos de insumos, produção primária, processamento e serviços prestados à cadeia movimentaram cerca de R$ 188 bilhões.
Um bom motivo para o governador paulista, gestor de um estado cuja riqueza, avaliada em R$ 1,89 trilhão, representa 32,12% do PIB nacional segundo o IBGE, não sancionar este projeto de lei.
A alimentação humana não pode ser uma imposição legal, muito menos, ferir o princípio da liberdade humana. Não podemos ser orientados por ativistas e modismos alimentares.
Nada impede que os restaurantes citados pela lei sirvam alimentos vegetarianos junto com a carne. A opção de consumo é individual, e cabe a cada pessoa escolher o que desejar comer. Não pode ser imposta pelo governo.
Ainda bem que o governador paulista, Geraldo Alckmin, prometeu, como noticiaram vários sites nesta terça (2), vetar este projeto de lei. E cabe a todos nós torcer para que decisões como este sejam uma constante, especialmente para que projetos como esse não virem moda.
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