O contrato de parceria rural: frutos e despesas

Publicado por Ana Lacerda em

Como no arrendamento rural, o contrato agrário de parceria rural sofre controle legal rígido. Um exemplo disso é o fato de a pactuação do percentual referente à divisão dos frutos pelos contratantes não é livre. Ela está condicionada a percentuais impostos tanto no Estatuto da Terra (art. 96, inciso VI, alíneas a, b, c, d, e, e f), observado-se que a Lei Federal n. 11443, de 5 de janeiro de 2007, deu nova redação a estes dispositivos (restando revogados o art. 35, incisos I, II, III, IV, e V, do Decreto n. 59.566/1966).

Sobre a partilha, a lei agrária refere a expressão “frutos”, seja na parte que traz os percentuais cabíveis ao parceiro-outorgante (art. 96, inc. VI, do Estatuto da Terra), seja na parte em que elenca os riscos da parceria (art. 96, §2º, do Estatuto da Terra).

Para melhor compreensão da questão da partilha, importante se buscar a conceituação do que venham a ser “frutos”.

Segundo PONTES DE MIRANDA:

A expressão “frutos” é empregada no sentido de proveitos econômicos que derivam da coisa conforme o destino que ela tem, ou pode ter parte dela, e sem lhe alterar a essência (cp. art. 43, 1-11, quanto a partes integrantes), ou diretamente (frutos naturais), ou por meio de outrem, isto é, como efeito de relação jurídica que tem por fim a obtenção desses proveitos (frutos civis ou jurídicos).

Os frutos podem ser vistos como utilidades periodicamente produzidas pela coisa, sob o aspecto objetivo. Pela visão subjetiva, frutos são riquezas normalmente produzidas por um bem, podendo ser uma safra, como os rendimentos de um capital. Nosso Código (Civil) trata dos frutos sob o aspecto subjetivo. Esses frutos podem ser naturais, industriais e civis. Naturais, os provenientes da força orgânica, como os frutos de uma árvore, as crias dos animais. Industriais são os decorrentes da atividade humana, como a produção industrial. Civis são as rendas auferidas pela coisa, provenientes do capital, tais como juros, alugueres e dividendos.

Interessante é que a Lei Civil, no capítulo “Efeitos da Posse (arts. 1.214, 1.215 e 1.216)”, não condiciona à percepção dos frutos pelo possuidor à dedução de despesas com produção e custeio, por exemplo. A não ser em casos de configuração de má-fé.

Causa estranheza o Estatuto da Terra referir o vocábulo “frutos” na divisão dos resultados da parceria, já que o teor dos artigos do Código Civil de 1916 (referente aos frutos) era vigente em 1964, ano de publicação da Lei Agrária, tendo sido repetida pelo Código Civil de 2002. E o curioso é que ambos os códigos trazem o instituto na parte que trata dos bens, e não dos contratos, o que poderia justificar a adoção do termo (frutos) nos contratos agrários.

Em razão dessa, talvez, imprecisão conceitual, o legislador poderia ter aproveitado a oportunidade das modificações da Lei Federal n. 11.443/2007 para ter readequado a expressão, muito embora se possa extrair a ideia que se esteja falando do resultado da produção em sentido lato (tanto que, na prática, os contratos de parceria são elaborados com este equívoco conceitual).

A doutrina especializada em Direito Empresarial traz, por exemplo, a questão da “Liquidação e apuração de haveres” das sociedades, tema que, em princípio, seria mais adequado à intenção do legislador. Até mesmo porque o próprio legislador autoriza no art. 96, inc. VII, a utilização das regras dos contratos de sociedade no que couber.

Para fins tributários, por exemplo, a Receita Federal refere a expressão “resultado”, segundo art. 11 da Instrução Normativa n. 83/2011.  O Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul já se valeu dessa nomenclatura.

E aqui duas indagações relevantes. O que se comunicaria para fins de caracterização de lucro ou prejuízo nos contratos de parceria? Somente o que diz respeito ao plantio e colheita?

Em razão do silêncio da doutrina, tomou-se a liberdade de buscar alguns elementos que pudessem responder as indagações nas normas que regem tributação dos resultados da atividade rural das pessoas físicas, sobretudo, a Instrução Normativa n. 83/2001 da Secretaria da Receita Federal. O art. 2º da referida norma traz o rol do que é considerado como atividade rural (como por exemplo, agricultura, pecuária, extração animal e vegetal, etc.) e o art. 4º elenca os casos expressos do que a Receita não considera como atividade rural. Já o § 2º do art. 5º discrimina os valores que integram a atividade rural par fins de computo da receita bruta (como por exemplo, os valores recebido pelo Poder Público tais como auxílios, subvenções, subsídios).

As respostas das perguntas talvez possam ser respondidas com a definição de despesas trazida pelo Fisco Federal. O art. 7º da referida Instrução Normativa n. 83/2011, considera despesas de custeio aquelas necessárias à percepção dos rendimentos da atividade rural e à manutenção da fonte pagadora, relacionadas com a natureza das atividades rurais exercidas.

Igualmente importante, pela dicção do art. 8º, o ente público considera como investimento a aplicação de recursos financeiros, durante o ano-calendário, que visem ao desenvolvimento da atividade rural, à expansão da produção e da melhoria da produtividade, realizados com:

I – benfeitorias resultantes de construção, instalações, melhoramentos, reparos, bem assim de limpeza de diques, comportas e canais;

II – culturas permanentes, essências florestais e pastagens artificiais;

III – aquisição de tratores, implementos e equipamentos, máquinas, motores, veículos de cargas e utilitários rurais, utensílios e bens de duração superior a um ano, bem assim de botes de pesca ou caíques, frigoríficos para conservação da pesca, cordas, anzóis, bóias, guinchos e reformas de embarcações;

IV – animais de trabalho, de produção e engorda;

V – serviços técnicos especializados, devidamente contratados, visando elevar a eficiência do uso dos recursos da propriedade ou exploração rural;

VI – insumos que contribuam destacadamente para elevação da produtividade, tais como reprodutores, aquisições de matrizes, alevinos e girinos, sementes e mudas selecionadas, corretivos de solo, fertilizantes, vacinas e defensivos vegetais e animais;

VII – atividades que visem especificamente à elevação sócio-econômica do trabalhador rural, tais como casas de trabalhadores, prédios e galpões para atividades recreativas, educacionais e de saúde;

VIII – estradas que facilitem o acesso ou a circulação na propriedade;

IX – instalação de aparelhagem de comunicação, bússola, sonda, radares e de energia elétrica;

X – bolsas para a formação de técnicos em atividades rurais, inclusive gerentes de estabelecimentos e contabilistas.

Parágrafo único. Os investimentos são considerados despesas no mês do efetivo pagamento.

Segundo o art. 9º, não constitui investimento o custo de aquisição da terra nua.

Portanto, de forma subsidiaria, é possível de se defender que não só as questões que envolvem ao plantio e colheita devem ser consideradas para repartição dos percentuais de ambos os parceiros, mas também o rol da Receita Federal.

Relembrando da importância dessas questões constarem discriminadas no corpo do contrato para se evitar discussões futuras, já que, quanto mais detalhado for o instrumento, mais segurança proporcionará aos contratantes.

Todos esses elementos norteiam de maneira abrangente o que venham a ser as despesas da atividade agrária, ajudando a balizar as questões do contrato de parceria. Mas, sugere-se que o parceiro-outorgante, exercendo seu papel de fiscalizador do próprio contrato que integra (pode ele exigir prestação de contas), examine a pertinência desses elementos com o objeto do contrato de parceria. Tudo para que se tenha a apuração (frutos, como diz a lei) dos haveres (resultado) de maneira mais fiel à realidade da produção. E aqui se poderia remeter a ideia de um fiscal do contrato(preferencialmente, algum profissional que tenha vivência com as questões agrárias, a exemplo de técnico agrícola, agrônomo, etc).

Pelas definições trazidas, é possível se concluir que os conceitos de “frutos” e “haveres”, embora confundíveis, representam institutos jurídicos distintos, não sendo de boa técnica jurídica referi-los como sinônimos. Talvez o termo “resultado” pudesse ser melhor empregado.

O uso adequado dessa terminologia apenas colabora com a questão dos cuidados na confecção e gerenciamento dos contratos agrários.

 

FONTE: Site Direito Agrário

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